terça-feira, 29 de maio de 2012

UNIDOS PELA DOR E PELA CONSCIÊNCIA DE CLASSE


29 de maio de 2012
 
Emoção e indignação no sepultamento do oficial de justiça encontrado morto ontem em Contagem 

O velório do oficial de justiça da Justiça Federal Daniel Norberto da Cunha, cujo sepultamento ocorreu no final da manhã desta terça-feira, 29, no Cemitério Parque Renascer, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi marcado pela emoção e tristeza dos amigos e familiares, mas também de muita indignação dos colegas de profissão do falecido em relação à falta de segurança e de apoio das autoridades do Poder Judiciário aos oficiais de justiça, tendo em vista os riscos diários que a classe enfrenta no exercício da função. Estiveram presentes dezenas de oficiais de justiça da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho e da Justiça Estadual, além de outros servidores do Poder Judiciário.

O SINDOJUS/MG esteve representado pelo presidente Wander da Costa Ribeiro, pelo diretor administrativo Jonathan Porto do Carmo, pelo presidente do Conselho Fiscal, Nelmo Valério Cantão, e pelo também conselheiro fiscal Eldimar Marques Pereira; a Assojaf/MG, pelo presidente Welington Gonçalves e vários diretores, entre os quais José Geraldo Mota; e o Sitraemg, pela coordenadora geral Lúcia Bernardes de Freitas e pela coordenadora executiva Artalide Lopes.

 O oficial de justiça Daniel Norberto da Cunha estava desaparecido desde a última quinta-feira, 24, quando saiu da Central de Mandados da Justiça Federal, por volta das 19h30, para cumprir mandados. Mais tarde, ele entrou em contato por telefone com a esposa, Conceição, dizendo que iria cumprir só mais dois mandados (um no bairro Prado, em Belo Horizonte, e outro em Contagem, onde ele morava) e ia para casa. Daí para frente, não deu mais notícias a familiares, colegas e amigos. Seu corpo foi encontrado no início da tarde de ontem (segunda-feira, 28), dentro do próprio carro (Fiat Idea, cor prata), no banco dianteiro do passageiro. Uma pessoa que passava perto do veículo percebeu o mau cheiro que exalava do interior e chamou a Polícia para averiguar. De acordo com registro no parquímetro do estacionamento, o veículo foi estacionado no local na noite de sexta-feira. Devido à película escura dos vidros, era tão difícil a visão do interior do carro que um guarda da Transcon (empresa gestora do trânsito em Contagem) chegou a deixar uma multa por estacionamento indevido, no parabrisa, sem avistar o oficial morto.

Não foram encontrados, no veículo, algumas jóias que o oficial usava e uma pochete em que guardava documentos e dinheiro, o que sugeriria a hipótese de latrocínio. Por outro lado, foi encontrado o notebook do falecido. Também foram observados ferimentos na cabeça, tórax e uma lesão no pescoço de Daniel, o que leva a Polícia a acreditar em assassinato. Outro dado importante: o carro foi encontrado trancado, sem as chaves. As investigações estão a cargo da Polícia Federal e da Polícia Civil mineira.


A seguir, depoimentos do filho de Daniel, de uma ex-vizinha do oficial morto e de vários oficiais de justiça que estiveram hoje no velório e sepultamento, no cemitério de Contagem. Os depoentes expressam a saudade de Daniel, falam sobre sua conduta exemplar como pai de família e como oficial de justiça e mostram toda a indignação da classe em relação à falta de apoio e segurança que esses servidores (do Judiciário Federal e do Judiciário Estadual) enfrentam diariamente: 

 “Isto comprova que o oficial de justiça corre risco não só no cumprimento dos mandados, mas em razão da própria profissão. Só de atuar na rua ele já está propício a se tornar vítima de vandalismo, assaltos e outros tipos de crimes. Se pudesse trabalhar armado, poderíamos nos defender, ter aumentadas as chances de sobrevivência. Até quando estaremos tendo vidas ceifadas para que o Ministério da Justiça reconheça que necessitamos do porte de arma? Até quando vai se basear apenas nos números, e não na efetiva ameaça de agressão e risco da nossa profissão, para permitir o porte?  Será que está esperando que mais oficiais de justiça morram?” (Jonathan Porto do Carmo, oficial de Justiça da Justiça Estadual e diretor administrativo do SINDOJUS/MG)

“A própria natureza da nossa profissão já é um risco. A gente está exposto aos riscos e as autoridades não se sensibilizam em relação a isso. Não nos fornecem coletes, não temos porte de arma, não temos direito à aposentadoria especial…” (Welington Gonçalves, oficial de justiça da Justiça Federal e presidente da Assojaf/MG)

“Não há um programa institucional de apoio e segurança para os oficiais de justiça e não nos oferecem tempo para que possamos planejar nosso dia a dia de trabalho de forma a prevenirmos as situações de riscos. A administração cobra imediatismo e rapidez no cumprimento dos mandados, não nos permitindo nem esse tipo de planejamento” (José Geraldo Mota, oficial de justiça da Justiça Federal e diretor da Assojaf/MG)

“Daniel era muito tranqüilo, de bem com a vida, muito educado. Cumprimentava e conversava com todo mundo quando chegava à Central de Mandados. Foi uma perda irreparável. Na nossa função, a gente está muito exposto. O oficial de justiça tem 90% do seu tempo exposto no serviço externo, o que caracteriza a periculosidade da função. O fato de trabalharmos em uma região mais abrangente (Colar Metropolitano de Belo Horizonte), quando a gente sai para uma região menos conhecida, fica ainda mais sujeito aos riscos. Trabalhamos no nosso carro, com nossos próprios recursos, e sozinhos. Normalmente, encontramos as partes à noite, fora do horário de trabalho delas, mas no horário de maior risco, de maior periculosidade para nós” (Danilo Augusto Miquelão Ziviani, oficial de justiça da Justiça Federal em BH )

“Era um grande amigo, companheiro de viagens, para a praia e outros lugares, como Diogo de Vasconcelos, sua cidade natal. Íamos sempre com nossas famílias. Era um bom pai, bom marido, bom amigo” (Fernando Augusto Ramos, Justiça Federal, BH) 

“Era uma excelente pessoa, brincalhão. Cruzeirense, sempre me ‘zoava´ quando o Galo perdia. O risco da nossa profissão é muito grande” (Lourenço Lage de Oliveira, Oficial de justiça da Justiça Federal, BH)

“O oficial de justiça corre risco 10 vezes mais do que qualquer pessoa que está sob risco” (Cláudio Geraldo Gonçalves, Oficial de Justiça da Justiça Federal, BH)

“É um trabalho solitário. Saímos de manhã e não sabemos como vai ser o nosso trabalho. O risco é iminente o tempo todo. Não tem estrutura do judiciário, não tem treinamento de normas de segurança ou proteção. A polícia nunca está sozinha. É protocolo da polícia ir sempre de dois, no mínimo. Lugar que a polícia nunca vai só, a gente vai sózinho, apenas com a caneta e a coragem” (Eldimar Marques Pereira, oficial de justiça da Justiça Estadual e membro do Conselho Fiscal do SINDOJUS/MG)

“Corremos riscos igual aos cidadãos comuns quando não estão em atividade. Quando estamos a serviço, o risco aumenta mais de 1000%. Trabalhamos na maioria das vezes somente com a companhia de Deus. Realizamos os mais diversos atos, desde uma simples intimação, a prisões. Estamos desamparados pelo Poder Judiciário, que não fornece as condições mínimas necessárias de segurança. Não existe treinamento com relação a medidas de segurança que os oficiais de justiça, tanto os estaduais quanto os federais, tem que ter no exercício dessa nobre função. Só para se ter uma ideia, quando precisamos de um apoio policial em alguma diligência, o apoio militar demora horas. Como fazer as diligências na periferia, nas zonas rurais, nos artigos 172 do CPC, sem preparo e sem apoio do Estado? Queremos segurança. Queremos os meios necessários para continuar prestando bons serviços à sociedade mineira. Só com união dos oficiais de justiça, estaduais e federais, e demais trabalhadores do Judiciário estadual e federa,l é que conquistaremos o nosso valor e preservaremos nossa dignidade humana. A luta é de todos” (Wander da Costa Ribeiro, oficial de justiça da Justiça Estadual e presidente do SINDOJUS/MG)

“A angústia é que somos solitários, não temos apoio. Pedimos segurança e eles acham que é privilégio. Não temos horário, nem dia nem local para trabalhar. Temos que cumprir os mandados e ninguém reconhece. Queremos que nos dêem segurança, maior confiabilidade. No caso do Daniel, queremos Justiça” (Lúcia Maria Bernardes de Freitas, oficial de justiça da Justiça do Trabalho aposentada e coordenadora geral do SITRAEMG)

“Cada dia que passa o nosso serviço fica mais perigoso, devido ao aumento do tráfico de drogas e o oficial de justiça é obrigado a cumprir mandados em horário noturno por não ter encontrado o réu durante o dia. Diante disso, está bem claro o risco de vida que o oficial de justiça está correndo no dia a dia do exercício do seu mister” (Nelmo Valério Cantão, oficial de justiça da Justiça Estadual e presidente do Conselho do SINDOJUS/MG e ex-presidente da AMOJUS)

“É só tristeza, e revolta pelo descaso, descaso de alguns apenas, felizmente. Ele fazia um trabalho bom. Espanta o tempo que esteve desaparecido, estava em um local óbvio, e só o acharam depois que perceberam o odor do corpo. Ficam as lembranças boas, mas também o estigma para todos nós, seus familiares” (Rafael Filipi Amaral da Cunha, filho do oficial falecido)

“Perdemos um irmão. Mas isso não vai nos aquebrantar. Virão mais dezenas que vão honrar o nome desse nosso colega. Ele foi o mártir na luta incessante e, infelizmente, não reconhecida pela administração Judiciária, que precisa nos olhar como companheiros dentro da família judiciária” (Gerson Appenzeller, oficial de justiça da Justiça Federal em São Sebastião do Paraíso e membro do Conselho Fiscal do SITRAEMG)

“Prezado Daniel,
Nós, Oficiais de Justiça, em especial, aguardamos esperançosos que você fosse encontrado, vivo.
Talvez você tivesse saído por ai…dado um tempo…se desligado um pouco da rotina. Não! Hipótese improvável para um pai presente; profissional sempre pronto para cumprir o que lhe fosse mandado: mandados, mandados, muitos mandados…..
Paralisados ouvimos a  noticiar a sua morte. Morremos um pouco com você, Daniel. Longe de imaginar a sua sua dor, sabemos das incertezas que te aguardaram. Dos riscos iminentes. Das dificuldades para chegar lá: tanto no endereço indicado do r. mandado, quanto para obter a aprovação, num concurso público federal. Daniel, você será mais um número que revela toda a insegurança que vivemos.
Estamos muito inseguros e sós! Estamos chorando por você. Rezamos por sua paz!”(
Cláudia Beatriz de Souza Silva, oficial de justiça da Justiça do Trabalho, BH)

“Silêncio servindo de amém.                                                                                                                                       
Era um trabalhador e como tal saiu de casa para mais um dia de labuta.
Era um Oficial de Justiça e como tal saiu sozinho, desarmado guiando seu carro/escritório rumo ao desconhecido, ao inesperado.
Avenidas, ruas, vielas, travessas, becos, escadões, prostíbulos, bocas de fumo ou distantes áreas rurais, não raro tem que deixar o carro e seguir a pé.
Vai levar as decisões judiciais aos seus destinatários, traduzir em miúdos, cara a cara, o que foi decido no longe dos gabinetes refrigerados;
na maioria dos casos a decisão comunicada não é a melhor para quem a recebe e a recepção varia com o nível de stress que o impacto da notícia causa.
 Vai  entrar na casa da pessoa e impor  limitações e até perda de patrimônio a favor do Estado ou daquele que, a essa altura do campeonato,
não é mais persona grata, ao contrário, passou a ser a mais ingratíssima das personas.
Houve tempo que o Oficial de Justiça era uma figura temida, hoje se sente acuado. Exerce uma das chamadas Profissão Perigo,
não tem como ser Oficial de Justiça sem se expor ao perigo, seja à reação violenta de um inconformado com a decisão que ele está ali para executar,
seja à violência do trânsito, seja à violência urbana.
 Hoje, mais uma vez estamos de luto pela morte de um colega, tombado em serviço.
Dessa vez foi Daniel que saiu para “aproveitar” o período noturno e cumprir dois mandados, não voltou, não voltará.
A causa da morte vai ser investigada pela polícia. Mas, não importa a conclusão do  inquérito, certamente terá sido por um dos perigos
aos quais estamos expostos sempre que saímos  às  ruas  para cumprir o nosso ofício, nossa  profissão perigo/profissão solidão/profissão medo.
 ”Sou humano, tenho medo.
 Não permita que minha vida corra perigo.
 Confio na sua proteção e misericórdia, Senhor.
 Amém.”
 (parte final da Oração do Oficial de Justiça) (Sônia Maria Peres de Oliveira, oficial de justiça da Justiça do Trabalho/Juiz de Fora e ex-presidente do Sitraemg)

“Era super tranqüilo, ministro da Eucaristia da Igreja Cristo Salvador (do bairro). Tranquilo, prestativo. Sabe aquela pessoa com quem que a gente podia contar sempre? Ele era assim, super simples, ele, a esposa (Conceição) e as duas filhas” (Silvia Maria Cândido, ex-vizinha do oficial de justiça falecido, quando reste residia no bairro Novo Riacho, em Contagem)

Esclarecimentos de Sheila Melissa Ávila Teixeira, diretora do Núcleo Judiciário da Justiça Federal, e Ângela Maria Diniz Carvalho, supervisora da Central de Mandados:
Na sexta-feira, quando a esposa de Daniel ligou, fizemos contato com a Polícia Federal (Dr. Rodrigo, Dr. Guerra e Dr. Marinho), buscando ajuda para localização dele. Por volta da 9h30 de sexta-feira, começaram as buscas. Nesse meio tempo, fizemos contatos com a família, buscando maiores informações sobre os mandados que estavam com o oficial de justiça e pistas que viessem a auxiliar nas investigações, até ontem, quando obtivemos informações de que o corpo havia sido encontrado. O tempo todo dando ciência à Direitoria do Foro (Dr. Itelmar ligou para a Polícia Federal, na sexta-feira, pedindo empenho e agilidade nas investigações).

Acho que a atividade do oficial de justiça é uma atividade de risco maior. A gente não tem como evitar. Mas há medidas que podem ajudá-los. A Diretoria do Foro tem tentado encontrar esses caminhos junto aos órgãos (buscando informações no Setarim, por exemplo) para ajudar na segurança. E a Polícia Federal para acompanhar os oficiais de justiça nas diligências mais arriscada. Mas nem sempre a Polícia tem condições de nos atender. Mas a gente reconhece que a atividade é uma atividade de grande risco”

Fonte: SINDOJUS - MG

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