O relator do recurso
de apelação na corte, desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida
Martins Costa, explicou que a demanda não trata de relação de consumo
entre cliente e advogado ou entre sindicato e advogado, mas de assegurar
o direito fundamental à assistência judiciária gratuita a trabalhadores
não-sindicalizados, nos termos da lei trabalhista.
‘‘A lei é
clara e determina o dever ao sindicato da categoria de prestar
assistência judiciária ao trabalhador, associado ou não, uma vez que ao
sindicato compete a defesa dos interesses individuais e coletivos da
categoria, nos termos do artigo 8º, inciso III, da Carta da República,
sendo a prestação da assistência judiciária gratuita um exemplo típico
desta defesa de interesses’’, disse o desembargador-relator. O acórdão
foi lavrado na sessão do dia 9 de maio.
A Ação Civil Pública
A ilegalidade veio à tona quando a 13ª Vara do Trabalho de
Porto Alegre oficiou ao MPT, em julho de 2010, de que a cobrança de
honorários de trabalhadores não-sindicalizados era procedimento normal
no Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre. Inquérito Civil
instaurado pelo
parquet trabalhista confirmou a cobrança de
honorários contratuais de 10% para não-sócios. O percentual, fixado pelo
próprio Sindicato, deveria ser praticado por todos os advogados.
Diante
disso, em junho de 2011, os procuradores do Trabalho propuseram ao
Sindicato a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para
cessar essa prática. Como não houve resposta, no mês seguinte, o MPT
ajuizou a Ação Civil Pública perante a 28ª Vara do Trabalho de Porto
Alegre.
Em síntese, a inicial sustentou ser inaceitável que o
Sindicato — que exige contribuição assistencial indistintamente de
filiados e não-filiados — determine a cobrança desses últimos de nada
menos que 10% do crédito obtido judicialmente a título de honorários
advocatícios. Afinal, pela lei, só se concebe distinção entre associados
e não-associados apenas em relação a benefícios acessórios.
Defesa do sindicato
O sindicato apresentou defesa. Invocando o princípio da
legalidade, lembrou que o artigo 592, inciso I, da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT) estabelece que o dinheiro da contribuição sindical
será utilizado também para a assistência jurídica dos trabalhadores.
Entretanto, nada diz sobre essa prestação ser gratuita ou não.
A
peça alegou que o contrato de honorários advocatícios é firmado com o
advogado habilitado, e não com a própria instituição. Disse que a
legislação não proíbe os advogados de sindicatos, sem vínculo de
emprego, de serem remunerados nas demandas sindicais. Inclusive, a
questão foi disciplinada na
Resolução 7/2009,
da OAB-RS, que prevê honorários mínimos de 20% sobre o valor reclamado
para os advogados que prestam serviços sem vinculo para sindicatos de
empregados.
Além disso, sustentou que a legislação igualmente não
proíbe os sindicatos de beneficiarem os sócios que pagam mensalidade,
assim como não existe qualquer imposição legal de tratamento igualitário
entre sócios e não-sócios. Destacou, por fim, que cabe à Defensoria
Pública da União (DPU) a defesa gratuita na Justiça do Trabalho, e não
aos sindicatos, como pleiteia o Ministério Público do Trabalho.
Sentença procedente
A juíza Cinara Rosa Figueiró afirmou que, em atenção às Súmulas
219 e 239 do Tribunal Superior do Trabalho, a assistência jurídica, no
âmbito da Justiça Trabalhista, constitui monopólio dos sindicatos de
trabalhadores. Segundo ela, também a Lei 5.584/1970, que disciplina a
concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho,
confere aos sindicatos um importante encargo público.
Em seu artigo 14,
caput,
a norma determina que a assistência judiciária, a que se refere a Lei
1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo sindicato da
categoria profissional a que pertencer o trabalhador. E a regra do
artigo 18 garante esse direito ao trabalhador integrante da categoria
profissional, independentemente de sua associação ao sindicato. Ou seja,
destacou, a lei não admite a cobrança de honorários do trabalhador
assistido, por contrariar seu próprio espírito.
Nessa linha de
entendimento, a titular da 28ª Vara do Trabalho tomou, como razões de
decidir, a tese aprovada durante o XV Congresso Nacional dos Magistrados
da Justiça do Trabalho (realizado em Brasília, em fins de abril de
2010), apresentada pelo juiz Paulo André de França Cordovil.
Ao
tratar sobre a incompatibilidade entre honorários contratuais e a
assistência judiciária gratuita, disse a ementa da decisão: ‘‘O artigo
22 e seu parágrafo 1º da Lei 8.906/1994 — o Estatuto da Advocacia e da
Ordem dos Advogados do Brasil —, não autorizam advogado de sindicato,
constituído nos termos do artigo 14, da Lei 5.584/1970, firmar,
paralelamente, com o trabalhador, contrato de honorários, sob risco de,
sistematicamente, lesar todo o propósito institucional da Assistência
Judiciária Gratuita’’.
Por último, a juíza afirmou que o
tratamento discriminatório dispensado aos não-sócios do Sindicato dos
Comerciários afronta o direito fundamental à igualdade, assegurado no c
aput
do artigo 5º da Constituição. Também fere os incisos III e V, do artigo
8º, que dispõe sobre a liberdade de associação profissional ou
sindical. Afinal, frisou, a própria Constituição garante que a entidade
sindical deve representar os trabalhadores, na via judicial, de forma
indistinta.
Em face de toda a fundamentação, a sentença julgou a
ACP procedente. À entidade sindical foi determinado que:
responsabilize-se, integralmente, pela remuneração dos advogados
credenciados; abstenha-se de fazer distinção entre associados e
não-associados, na prestação de assistência jurídica; mantenha afixados,
nas paredes do Sindicato, em letras garrafais e à vista plena dos
trabalhadores, avisos sobre a gratuidade integral da assistência
jurídica e sobre a impossibilidade de qualquer distinção entre filiados e
não-filiados; e faça constar, na credencial concedida a advogados,
cláusula proibitiva da cobrança de honorários do trabalhador assistido.
Em
caso de descumprimento, a juíza determinou a cobrança de multa no valor
de R$ 20 mil, a ser revertida ao Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT).
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