sexta-feira, 14 de março de 2014

Oficial de Justiça vai até em velório para permitir que família assista enterro

Paula Maciulevicius

Na sala, os oficiais redigem as ocorrências com os detalhes do que aconteceu ao entregar uma intimação.
(Fotos: Marcos Ermínio)

A função deles é a de efetivar as ordens judiciais, mas pelas histórias, eles parecem ser pagos para se "divertir", uma sensação, é claro, que surge depois que o sufoco passa. Em Campo Grande, são 123 oficiais de Justiça pelas ruas trazendo na pasta documentos que nem sempre são vistos com bons olhos. Os papeis sigilosos e endereçados especificamente ao fulano de tal podem trazer desde uma citação e intimação, até notificação, mandado de prisão, penhora, busca e apreensão.

Um dos mais experientes oficiais de Justiça e hoje instrutor na formação dos novos profissionais, prefere não se identificar, mas narra o cotidiano de quem trabalha como portador das notícias judiciais. “99,99% dos tipos de mandados você cumpre com absoluta normalidade, mas quando um único dá problema, vira foco de atenção pitoresca, ou quando não, trágica, mas a maioria é pitoresca”, sustenta. E é mesmo. Os próprios oficiais são a prova viva disso.

O oficial Luiz Carlos Albuquerque Barbosa, de 47 anos, tem duas décadas no serviço e várias calças rasgadas por cachorros. Hoje em dia ele conta que o número de cães diminuiu no centro, mas ainda é grande nos bairros. “A gente corre, mas o cachorro pega na calça”, explica.

Num dos episódios que marcaram, o dono de um veículo com atraso nas prestações, resolveu intimidar. “Ele sacou a arma e falou, aqui não tem homem que vai levar esse carro. Você vai fazer o quê? Correr? Se correr leva tiro nas costas. Eu falei, olha o senhor tem como se defender, mas não por este meio e não aqui. Se me matar, outro oficial vai vir aqui”, descreve.

Entre armas, cachorros e brigas de marido e mulher, Luiz Carlos foi obrigado a desenvolver estratégias. “Eu procurou ouvir, você tem de deixar possibilidades para eles, não eliminar a esperança, daí a pessoa vai se acalmando, diminuindo a resistência”, conta.

O homem, a esposa e o reconhecimento de paternidade:

Outro fato memorável foi a quarta ida a uma casa, atrás de um homem. Nas três primeiras viagens, a mulher quem atendia à porta e queria porque queria saber o motivo da procura. “Eu falei não posso, não posso, é só com ele. Na quarta vez, o marido veio falando que não tinha segredos com a mulher, que eu tinha que falar ali, quando eu disse a situação é de reconhecimento de paternidade, ele ficou branco. Na certa, ao entrar em casa, a mulher deve ter acabado com ele”.

A experiência lhe fez entender a reação de quem está do outro lado. Além do preparo técnico e de legislação, Luiz Carlos precisou colocar um pouco de psicologia nas abordagens. “Todo mundo se assusta e se a pessoa é o réu, ele vai agir negativo, mas ele não está xingando eu, Luiz e sim o Estado, a Justiça”, avalia. O lance é manter a calma e não entrar para a briga. No mais, os serviços podem e são acompanhados, quando necessário, pela Polícia Militar.

 
Luiz Carlos Albuquerque Barbosa tem duas décadas no serviço e várias calças rasgadas por cachorros.

O abacate, a telha e a dívida de R$ 22:

Na sutileza de não entrar na briga, Luiz Carlos bateu no terreno de um senhor das antigas. A casa ficava ao fundo, depois de um vasto gramado. A ação ali era por R$ 22, fruto de um estrago que um dos abacates do dono da casa provocou ao quebrar a telha da vizinha.

“A penhora era por um aparelho de som. Eu entrei e ele me disse não, aqui ninguém penhora nada e eu lhe prego a mão. Eu tive de sair correndo e ele parou no portão”, detalha.

Como a ação era acompanhada por uma viatura da Polícia Militar, um tenente disse que iria lá resolver. Segundo o oficial da Justiça, o mesmo voltou com a frase “nem oficial, nem juizinho e nem o senhor penhora nada dessa casa”. À essa altura do campeonato, outros dois homens já acompanhavam o dono da casa. A Polícia teve de chamar por reforços.

“Os quatro policiais ouviram nem você, nem você, nem você, nem você. Ninguém penhora nada dessa casa. Daí o policial virou e falou quanto é a conta? Vamos rachar?”, recorda Luiz Carlos. Para o oficial, até que seria possível devido ao desgaste – a ação começou na tarde e a noite já havia chegado – mas para ele era um desaforo neste caso. O desfecho se deu quando o filho do dono do pé de abacate chegou e pagou a dívida. “Eu nem aceitava dinheiro, mas naquela situação, a gente fez o auto de penhora com os R$ 22”.

Conformado, o homem que pediu para fazer as malas na hora de ser preso:

O estresse de uma briga por pensão alimentícia pode levar a extremos e foi isso que o oficial de Justiça viu com os próprios olhos. “Eu cheguei, ele da janela já me perguntou: posso arrumar as malas? Eu disse pode, mas eu preciso acompanha-lo, para impedir uma possível fuga pelos fundos. Ele me perguntou o que eu levo? Respondi duas mudas de roupa, escova de dente, sabonete, chinelo e é bom uma coberta”, descreve.

Diante de tanta calma do pai, o oficial estranhou. “Eu fico preso, mas ela vai morrer de fome, porque eu não vou dar mais R$ 1. E ele foi preso duas vezes”, discorre Luiz.

Na penhora por televisão, mulher tira a roupa mostrando o “bem” mais valioso:

“Fui fazer uma penhora de televisão. Era um condomínio, a mulher abriu a porta de roupão e quando eu disse ela mandou essa: penhorar algo de valor? A única coisa que eu tenho é isso aqui e abriu. Quer penhorar? Eu fui embora, quando você é pego de surpresa assim, é melhor abortar o cumprimento e voltar depois. Ela, da janela, mostrava os seios e gritava para que eu nunca mais voltasse lá e me xingava. Eu só pensava que os vizinhos e funcionários iam achar que eu tinha dormido com ela”.

Na hora de fazer cumprir a ação, além das crianças, quem mais entrega os ‘donos’ são os cachorros. Por experiência, os oficiais já sabem que quando o cão late olhando só para eles, pode dar meia volta que não tem ninguém em casa. Mas quando o latido é direcionado para casa, na certa tem gente se escondendo lá dentro. “As crianças também, você pergunta cadê seu pai? Papai não está. E sua mãe? Eles dizem minha mãe está escondida também. Criança não sabe mentir, entra em contradição já na segunda pergunta”.

A ação, um oficial e um velório em andamento:

O último e mais pitoresco relato vem de um oficial que preferiu manter o anonimato. A história parece piada, peça pregada, qualquer coisa, menos verdade. Mas aconteceu num cemitério de Campo Grande.

“Era um plantão de final de ano, lá pelas 16h, 17h, veio um mandado urgente lá para o cemitério. Em resumo foi assim, a pessoa estava hospitalizada, ninguém ia fazer visita. Ele faleceu e no dia do velório, a então, viúva, proibiu parente de participar. E ele requereu na Justiça o acesso ao cemitério. Era uma visita diferente, a PM foi junto, chegando lá, eu tinha que dar ciência à viúva. Quando eu comecei a ler, ela saiu xingando, virou briga em volta do caixão. Era um empurra-empurra de gente. A Polícia não sabia se apartava, se segurava o caixão. Eu tive que ficar até o final do enterro. No fim todo mundo foi parar na delegacia. Olha, eu tenho 53 anos, 23 de oficial e nunca tinha imaginado me deparar com isso, num velório. Eu fui a pessoa que mais assistiu ao velório”.

99,99% dos tipos de mandados são cumpridos normalmente, mas quando um único dá problema, vira foco de atenção pitoresca.
 
Fonte: Grampo Grande News

2 comentários:

  1. Só quem é oficial de justiça entende isso... realmente, depois de passar o tumulto vira brincadeira... rsrs

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