O Juiz Federal Tales Krauss Queiroz, da 4ª Vara Federal do DF, negou a um oficial de Justiça do Estado de Goiás o direito ao porte de arma para defesa pessoal. A sentença foi proferida ontem (23/01/2013) e é contrária a várias outras decisões do próprio Poder Judiciário que reconhece a atividade do oficial de Justiça como sendo de risco. Aliás, a própria Polícia Federal reconhece a atividade do oficial de Justiça como sendo de risco (art. 18, Instrução Normativa 023/2005, da Diretoria Geral da PF).
Se a sentença prevalecer significa que caberá somente a autoridade policial decidir se existe o direito ao porte de arma. Poderá o direito ser concedido a um e negado a outro, mesmo em situações iguais. Não haverá regramento. Dependerá apenas da vontade da autoridade. Aliás, em Brasília não existe sequer o direito de comprar arma, pois já houve vários casos em que foram negados a expedição de autorização de compra de arma, mesmo preenchidos todos os requisitos previsto na Lei 10.826/2003.
No plebiscito de 2005 a população brasileira foi às urnas e por maioria esmagadora votaram contra a proibição de venda de armas de fogo, mas ao que parece o governo gastou milhões de reais e a vontade da população é totalmente ignorada. Se o plebiscito é de 2005, porque o malfadado estatuto do desarmamento de 2003 ainda está em vigor? O Estatuto fere o resultado das urnas e deveria já ter sido questionado judicialmente pelo orgãos de defesa do direito à vida ou associações, sindicatos, etc.
A decisão coloca o Judiciário de joelhos perante o Poder Executivo, pois os oficiais de Justiça não poderão cumprir ordens judiciais coercitivas sem o apoio da polícia, imagina se a ordem contrariar pessoas importantes do governo. Tem estados brasileiros com ordens judiciais pendentes de cumprimento há vários anos porque o governo estadual não “acatou” solicitações do Judiciário.
Confira abaixo a íntegra da sentença.
(o nome do impetrante foi omitido para preservar o oficial de Justiça que se encontra sem o direito de defesa).
Processo N° ------- 4ª VARA FEDERAL
Nº de registro e-CVD 00061.2013.00043400.2.00390/00128
Tipo A
CLASSE 2100
IMPETRANTE:
IMPETRADO: DELEGADA SUPERINTENDENTE REGIONAL DO DEPARTAMENTO DE
POLÍCIA FEDERAL DO DISTRITO FEDERAL
SENTENÇA
Cuida-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado por --------- contra ato atribuído a
Sra. DELEGADA
SUPERINTENDENTE REGIONAL DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL DO DISTRITO FEDERAL, objetivando “reconhecer
o direito do impetrante a concessão da autorização do porte de arma,
determinando à autoridade coatora que expeça a autorização do porte de arma ao
impetrante”.
Para tanto, relata o impetrante, em síntese, que, em virtude de ser ocupante
do cargo de Oficial de Justiça, pleiteou, após parecer favorável da Delegacia
de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas, solicitou autorização para o porte de
arma de fogo à autoridade impetrada, que negou o pedido.
A apreciação do pedido liminar foi postergada para após as informações
da autoridade impetrada (fl. 236).
Informações prestadas.
O pedido liminar foi indeferido (fls. 257).
O il. representante do MPF opinou pela denegação da segurança.
É o relatório. Decido.
Embora plausível a tese defendida pelo impetrante, entendo que não cabe
ao Poder Judiciário deferir autorização para porte de arma de fogo em virtude
de negativa da Administração, em avaliação discricionária, realizada dentro dos
limites de sua competência.
Deve-se ressaltar a cautela que se deve ter na análise de pedidos como
o presente, evitando-se interpretações extensivas da Lei para permitir o porte
em hipóteses não previstas pelo legislador.
Nesse contexto, confira-se o seguinte trecho do parecer da autoridade
impetrada:
“Então vejamos: há um projeto de lei no
Senado que propõe o armamento de agentes públicos para que se defendam de um
eventual perigo no exercício da profissão. Se a proposta for aprovada,
auditores fiscais, peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
defensores públicos e Oficiais de Justiça terão direito a porte de arma. Eis o
terreno adequado para um pleito de tais características, afinal o porte emitido
pela Polícia Federal, em contra partida, só limitaria as aspirações do
Interessado, pois este é de natureza Defesa Pessoal e traz consigo uma série de
restrições, conforme artigo 26, do decreto n" 5.123/2004, literalmente:
Art. 26 – 0 titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos
termos do art. 10 da Lei n° 10.826, de 2003, não poderá conduzi-la ostensivamente
ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas,
escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde
haja aglomeração de pessoas em virtude de eventos de qualquer natureza.
(Redação dada pelo Decreto n° 6.715, de 2008). A utilização de um porte com tal
natureza em atividade profissional seria, no mínimo, uma irregularidade, não
podendo este Órgão concordar com o pleito em questão ou qualquer outro no mesmo
sentido.
Afinal, estaria se criando uma nova
espécie de porte de arma, a saber: pessoal/funcional.
O campo propício para se discutir se o profissional oficial de justiça
deve ou não ter abstratamente o direito ao porte de arma é o Congresso
Nacional.
Cabe frisar, no ponto, que a petição inicial defende é o direito abstrato
ao porte de arma. Em nenhum momento foi afirmado pelo impetrante que há um risco
concreto, relacionado a um fato específico, a justificar o porte de arma. Nesse
sentido, transcrevo novamente a manifestação da Polícia Federal:
[…] 5. Para a concessão do Porte,Federal
de Arma, o inciso I do §1" do artigo 10 da Lei 10.826, exige atividade
profissional de risco ou ameaça à sua integridade física.
6. No primeiro caso, o artigo 18, §
2", da Instrução Normativa n" 023/2005 - DG/DPF, nos termos do inciso
111 do § 1° do artigo 10 da Lei nº 10.826/2003, considera de risco as
atividades profissionais desempenhadas por funcionários de instituições
financeiras, públicas ou privadas que, direta ou indiretamente, exerçam a
guarda de valores; por sócio, gerente ou executivo, de empresa de segurança
privada ou de transporte de valores e ainda por ocupante de cargo efetivo ou comissionado
que desempenhe atividade nas áreas de segurança, fiscalização, auditoria ou
execução de ordens judiciais. Enfim, o risco deve ser superior ao que se
submete o cidadão na vida em sociedade.
7. Para a segunda hipótese, não basta a
simples alegação genérica e abstrata de estar submetido a risco para cumprir os
ditames da norma que regula a espécie, devendo a ameaça ser concreta e atual ou
no mínimo iminente, além de estar devidamente comprovada.
8. Portanto, qualquer análise sobre pedido
de porte de arma, nos termos do artigo 10 da Lei n" 10.826/2003, deve ser
pontual e aferir os elementos apresentados no caso concreto, pois o porte de
arma concedido pelo Departamento de Polícia Federal tem lugar em virtude de
circunstâncias concretas' que exponham a risco a integridade física do cidadão.
' ,
9. O Requerente é Oficial de Justiça e
como tal possui funções externas ao juízo, como por exemplo, cumprimento de
Mandados de Prisão, de Busca e Apreensão, de Reintegração de Posse, de Despejo,
de Afastamento do Lar. De Condução Coercitiva, de Penhora, Avaliação e
Intimação, de Entrega de Bens, Cartas de Adjudicação, etc.; ,
10. Destarte, *o previsto no artigo
6" da Lei 10.826/2003, a concessão de porte federal de arma pode dar-se de
forma excepcional, a critério da autoridade policial, para fins de defesa
pessoal, consoante permissivo inscrito no artigo 10 da referida lei. […]
Por fim, o entendimento do MPF a respeito da matéria, com o qual acedo,
é o que segue:
“[...]
Com efeito, o porte de arma de fogo não é
condição inerente às funções desempenhadas pelo oficial de Justiça, cabendo à
autoridade policial competente avaliar, de acordo com razões de mérito
administrativo, se, no caso concreto, a concessão da autorização pleiteada é
pertinente.
Tratando-se de ato discricionário, não
cabe ao Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo, exceto quanto há
afronta aos limites impostos pela legislação pátria.
[...]
É de se notar, ademais, que a decisão
impugnada levou em consideração a política pública do desarmamento, cabendo a
autoridade de segurança pública, ao apreciar qualquer requerimento de porte de
arma de fogo, realizar uma valoração acerca da sua necessidade com base naquela
premissa. Assim, não pode o Poder Judiciário usurpar essa competência, substituindo
o entendimento firmado pela autoridade competente, salvo - como já exposto – em
situações em que evidenciada a usurpação dos limites da competência
discricionária .”
Diante do exposto, DENEGO A SEGURANÇA.
Custas pelo impetrante. Sem honorários advocatícios, por força do artigo
25, da Lei n.º 12.016/2009.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília (DF).
TALES KRAUSS QUEIROZ
Juiz Federal Substituto da 4ª Vara/DF