CONAMP divulga nota técnica contra PEC 37/2011
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP)
divulgou, nesta sexta-feira (27), nota técnica sobre a Proposta de
Emenda à Constituição n.º 37 de 2011, em tramitação na Câmara dos
Deputados. De autoria do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), a proposta
acrescenta um parágrafo ao artigo 144 da Constituição Federal,
para estabelecer que a apuração das infrações penais será competência
privativa das polícias federal e civil. Atualmente, por determinação
constitucional, o Ministério Público e outras instituições também
exercem a atividade de investigação criminal.
No documento, a
entidade contesta as justificativas apresentadas pelo autor da matéria,
entre elas a de que as investigações realizadas pelo MP são questionadas
perante os Tribunais Superiores e prejudicam a tramitação dos
processos. "Parece haver desconhecimento de que tanto o Supremo Tribunal
Federal, como o Superior Tribunal de Justiça sedimentaram sua
jurisprudência no sentido de que o Ministério Público está
constitucionalmente autorizado, como titular da ação penal, a instaurar
procedimentos investigatórios de natureza criminal, os quais, é
importante frisar, em nada se confundem com o inquérito policial, este
sim instaurado exclusivamente pela Polícia Judiciária", diz a nota
técnica, citando diversos casos em que o STF reconheceu o poder
investigatório do Ministério Público, como imperativo decorrente de suas
atribuições constitucionais.
A CONAMP questiona ainda a
alegação da PEC 37/2011 de que a realização de investigações criminais
pelo Ministério Público prejudicaria os direitos fundamentais dos
cidadãos. Segundo a entidade, a Constituição
incumbiu o MP da defesa da ordem jurídica, do regime democrático, bem
como dos princípios constitucionais que sustentam o Estado brasileiro.
"Para dizer o menos, a tese é, no mínimo, inusitada. E isso por três
razões básicas: o Ministério Público, por imposição constitucional, é
Instituição vocacionada à 'defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis';
dentre os direitos fundamentais sociais encontra-se a 'segurança'; e a
maior parte dos casos em que se discute a legitimidade do Ministério
Público para investigar diz respeito a crimes praticados por policiais,
incluindo Delegados de Polícia, vale dizer, justamente aqueles que
deveriam zelar pela segurança da população são os responsáveis por
aviltá-la", ressalta a entidade no documento.
Confira abaixo a íntegra da nota técnica:
NOTA TÉCNICA N.º 02/2012
Proposta de Emenda à Constituição n.º 37/11 - Câmara dos Deputados.
Ementa: Define a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.
Referência: Acrescenta o § 10 ao art. 144 da Constituição Federal
A
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), com o
objetivo de colaborar para o bom evolver do processo legislativo, vem
externar o seu posicionamento a respeito das premissas equivocadas, da
funcionalidade distorcida e da grave incoerência sistêmica inerentes à
Proposta de Emenda à Constituição
nº 37-A, de 2011, subscrita, dentre outros, pelo eminente Deputado
Federal Lourival Mendes, que acresce um novo parágrafo ao art. 144
da Constituição da República, para dispor que "a apuração das infrações
penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem
privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito
Federal, respectivamente".
Principiando pelas premissas
equivocadas que acompanham a justificativa do projeto, argumenta-se que
(1) a aprovação da proposição não afetará a competência das CPIs; (2) a
investigação criminal realizada pela Polícia Judiciária assume vital
importância para a garantia do devido processo legal; (3) o inquérito
policial é o único instrumento de investigação que tem prazo certo de
duração e é passível de controle; (4) procedimentos informais são
contrários ao Estado de Direito vigente; (5) a instrução dos processos é
atualmente prejudicada e questionada perante os Tribunais Superiores; e
(6) a investigação realizada pelo Ministério Público prejudica os
direitos e garantias fundamentais do cidadão.
A primeira
premissa certamente passa ao largo da própria configuração semântica da
proposição ofertada. O advérbio "privativamente" denota característica
ou atribuição peculiar ou afeta a um único sujeito ou objeto, com
exclusão de qualquer outro. Como só a Polícia Judiciária poderá "apurar"
as infrações penais, afigura-se evidente que as CPIs, a exemplo do
Ministério Público, não mais poderão fazê-lo, o mesmo ocorrendo com as
polícias internas da Câmara dos Deputados (CR/1988, art. 51, IV) e do Senado Federal (CR/1988, art. 52, XIII). A exemplo de outras normas situadas no plano infraconstitucional, também a norma do art. 33, parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional,
que dispõe sobre a atribuição dos tribunais para a investigação das inf
rações penais imputadas a magistrados, será automaticamente revogada. E
em relação aos crimes imputados aos policiais (v.g.: corrupção,
homicídio, tortura etc.)? Responde-se: serão investigados pelos próprios
policiais. E aqui surge o questionamento, tal qual proposto por Juvenal
em suas Satires (VI, linhas 347-348), que a proposição não se preocupou
em responder: quis custodiet ipsos custodes (quem guardará os próprios
guardas)?
A garantia do due process of law, de origem anglo-saxã e que foi recepcionada pelo art. 5º, LIV, da Constituição
de 1988, quer seja analisada em sua dimensão procedimental, indicando a
necessária observância dos ritos estabelecidos em lei, quer seja vista
sob sua ótica substancial, que se preocupa com a justiça e razoabilidade
dos padrões normativos, não oferece qualquer base de sustentação à
proposição ora analisada. Afinal, é factível que essa garantia, ao
absorver o contraditório e a ampla defesa, autoriza que qualquer
litigante produza as provas necessárias à sustentação de sua pretensão.
In casu, o Ministério Público será impedido de fazê-lo, enquanto o ex
adverso ficará li vre para buscar e produzir as provas que bem entender
na defesa dos seus direitos. Nesse particular, o Supremo Tribunal
Federal, dentre os inúmeros acórdãos em que reconheceu o poder
investigatório do Ministério Público, afirmou que "[o] Poder Judiciário
tem por característica central a estática ou o não-agir por impulso
próprio (ne procedat iudex ex officio). Age por provocação das partes,
do que decorre ser próprio do Direito Positivo este ponto de
fragilidade: quem diz o que seja" de Direito "não o diz senão a partir
de impulso externo. Não é isso o que se dá com o Ministério Público.
Este age de ofício e assim confere ao Direito um elemento de dinamismo
compensador daquele primeiro ponto jurisdicional de fragilidade. Daí os
antiquíssimos nomes de" promotor de justiça "para designar o agente que
pugna pela realização da justiça, ao lado da" procuradoria de justiça ",
órgão congregador de promotores e procuradores de justiça. Promotori a
de justiça, promotor de justiça, ambos a pôr em evidência o caráter
comissivo ou a atuação de ofício dos órgãos ministeriais públicos" (2ª
T., HC nº 97.969/RS, rel. Min. Ayres Britto, j. em 01/02/2011, DJ de
23/05/2011).
A terceira premissa, a de que o inquérito policial é
o único instrumento de investigação que tem prazo certo de duração e é
passível de controle, parece ignorar, primeiro, a advertência de
Friedrich Müller (Juristische Methodik, 9ª ed., 2004, p. 470) no sentido
de que a norma deve ser delineada pelo intérprete a partir da interação
entre o texto e a realidade. Em outras palavras, não há norma
desconectada do contexto socioambiental. Normas dissociadas do contexto
normalmente não têm potencialidade de realização, ocorrendo a denominada
derrogação costumeira ou desuso ("Phänomen der Derogation durch
Gewohnheitsrecht - desuetudo" - Robert Alexy. Begriff und Geltung des
Rechts, 2002, p. 147). É bem verdade que o Códi go de Processo Penal
estabelece prazo para a finalização do inquérito policial (v.g.: art.
10). No entanto, como a Polícia Judiciária, em não poucos casos, não
dispõe da estrutura necessária à plena realização de suas funções, a sua
inobservância é uma constante. Como os servidores, em alguns casos, não
descumprem os prazos processuais de modo voluntário e a separação dos
poderes é rotineiramente invocada pelos tribunais para rechaçar as
pretensões, formuladas pelo Ministério Público, de promoção de políticas
públicas, não há regra geral, qualquer consequência para a
inobservância desses prazos, isso ao menos em relação aos réus soltos.
Em segundo lugar, a proposição ignora que o Conselho Nacional do
Ministério Público há muito disciplinou a forma e os prazos a serem
observados, pelos órgãos de execução do Ministério Público, na
tramitação dos procedimentos administrativos de natureza investigatória.
A Resolução CNMP nº 13, de 2 de outubro de 2006, fala por si.
Procedimentos
informais são, de fato, contrários ao Estado de Direito. Daí a razão de
os órgãos de execução do Ministério Público sempre editarem uma
portaria para o início de qualquer investigação e de se reportarem aos
órgãos competentes da Administração Superior do Ministério Público, que
controlam a tramitação e apuram responsabilidades, isso sem olvidar o
relevante papel desempenhado pelo Conselho Nacional do Ministério
Público, ao qual qualquer do povo pode se dirigir. Além disso, somente
praticam os atos autorizados pela ordem jurídica (v.g.: requisição de
documentos, notificação de testemunhas etc.), não aqueles que somente
encontram justificativa no imaginário individual.
A
justificativa que acompanha a proposição ainda argumenta que as
investigações realizadas pelo Ministério Público são questionadas
perante os Tribunais Superiores e prejudicam a tramitação dos processos.
Nesse particular, parece haver desconhecimento de que tanto o Supremo
Tribunal, como o Superior Tribunal de Justiça sedimentaram sua
jurisprudência no sentido de que o Ministério Público está
constitucionalmente autorizado, como titular da ação penal, a instaurar
procedimentos investigatórios de natureza criminal, os quais, é
importante frisar, em nada se confundem com o inquérito policial, este
sim instaurado exclusivamente pela Polícia Judiciária. Aliás, como
exaustivamente demonstrado pela jurisprudência, o art. 144, § 1º, IV e § 4º, da Constituição
da República não confere qualquer exclusividade investigativa às
polícias federal e civ il, ambas institucionalmente vocacionadas a
subsidiar a atuação do Ministério Público. A título meramente
ilustrativo, podem ser mencionados os seguintes acórdãos:
(1)
pelo STF, 1ª T., HC nº 96.638/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em
02/12/2010, DJ de 01/02/2011; 2ª T., HC nº 77.371/SP, rel. Min. Nélson
Jobim, j. em 1º/09/1998, in Revista de Direito do MPRJ nº 9/409; 1ª T.,
HC nº 96.617/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowiski, j. em 23/11/2010, DJ de
13/12/2010; Pleno, AP nº 396/RO, rel. Min, Cármen Lúcia, j. em
28/10/2010, DJ de 28/04/2011; 2ª T., RE nº 468.523/SC, rel. Min. Ellen
Gracie, j. em 01/12/2009, DJ de 19/02/2010; 2ª T., RE nº 449.206/PR,
rel. Min. Carlos Velloso, j. em 18/10/2005, DJ de 25/11/2005; 2ª T., HC
nº 97.969/RS, rel. Min. Ayres Britto, j. em 01/02/2011, DJ de
23/05/2011; 2ª T., HC nº 93.930/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em
07/12/2010, DJ de 03/02/2011; 2ª T., HC nº 94.127/BA, rel. Min. Celso de
Mello, j. em 27/10/2 009, DJ de 27/11/2009; 2ª T., HC nº 87.610/SC,
rel. Min. Celso de Mello, j. em 27/10/2009, DJ de 04/12/2009; 2ª T., HC
nº 90.099/RS, rel. Min. Celso de Mello, j. em 27/10/2009, DJ de
04/12/2009; e 2ª T., HC nº 89.837/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. em
20/10/2009, DJ de 20/11/2009; e
(2) pelo STJ, 6ª T., RHC nº
11.670/RS, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 13/11/2001, DJU de
04/02/2002, p. 551; 5ª T., HC nº 33.462/DF, rel. Min. Laurita Vaz, j. em
27/09/2005, DJU de 07/11/2005, p. 316; 5ª T., HC nº 41.875/SC, rel.
Min. Laurita Vaz, j. em 06/09/2005, DJU de 03/10/2005, p. 296; 6ª T.,
REsp. nº 494.320/RJ, rel. p/ o acórdão Min. Nilson Naves, j. em
28/10/2004; 5ª T., HC nº 34.151/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca,
j. em 27/04/2004, DJU de 24/05/2002, p. 321; 5ª T., HC nº 25.238/GO,
rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 02/03/2004, DJU de 24/05/2004, p.
298; 5ª T., HC nº 18.060/PR, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em
07/02/2002, DJU de 26/08/2002, p. 271; 6ª T., RHC nº 11.637/SC, rel.
Min. Vicente Leal, j. em 06/12/2001, DJU de 18/02/2002, p. 499; 6ª T.,
RHC nº 11.670/RS, rel. M in. Fernando Gonçalves, j. em 13/11/2001, DJU
de 04/02/2002, p. 551; 5ª T., RHC nº 10.111/DF, rel. Min. Edson Vidigal,
j. em 06/09/2001, DJU de 08/10/2001, p. 223; 5ª T., HC nº 12.685/MA,
rel. Min. Gílson Dipp, DJU de 11/06/2001, p. 240; 5ª T., RHC nº
8.106/DF, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 03/04/2001, DJU de 04/06/2001, p.
186, RT 793/538; 5ª T., HC nº 13.368/DF, rel. Min. Gilson Dipp, j. em
03/04/2001, DJU de 04/06/2001, p. 194; 5ª T., RHC nº 10.403/DF, rel.
Min. Felix Fischer, j. em 20/02/2001, DJU de 26/03/2001, p. 436; 5ª T.,
RHC nº 9.922/DF, rel. Min. Felix Fischer, j. em 13/12/2000, DJU de
05/02/2001, p. 114; 5ª T., RHC nº 10.725/PB, rel. Min. Gilson Dipp, j.
em 03/02/2000, DJU de 08/03/2000, p. 137; 5ª T., HC nº 7.445/RJ, rel.
Min. Gilson Dipp, j. em 1º/12/1998, DJU de 1º/02/1999, p. 218, RT
764/507; e 6ª T., RHC nº 8.025/PR, rel. Min. Vicente Leal, j. em
1º/12/1998, DJU de 18/12/1998, p. 416.
Por fim, a última
premissa que confere pretensa fundamentação à PEC nº 37-A, de 2011,
afirma que a realização de investigações criminais, pelo Ministério
Público, prejudicaria os direitos fundamentais dos cidadãos. Para dizer o
menos, a tese é, no mínimo, inusitada. E isso por três razões básicas:
(1ª) o Ministério Público, por imposição constitucional, é Instituição
vocacionada à "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis" (CR/1988, art. 127, caput), tendo a específica função institucional de zelar pelo efetivo respeito aos direitos assegurados na Constituição, "promovendo as medidas necessárias à sua garantia" (CR/1988, art. 129, II); (2ª) dentre os direitos fundamentais sociais encontra-se a "segurança" (CR/1988, art. 6º);
e (3ª) a maior parte dos casos em que se discute a legitimidade do
Ministério Público para investigar diz respeito a crimes praticados por
policiais, incluindo Delegados de Polícia, vale dizer, justamente
aqueles que deveriam zelar pela segurança da população são os
responsáveis por aviltá-la, o que certamente se dá na esperança de que
um espírito corporativo venha a garantir a impunidade. Esse aspecto foi
bem realçado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC nº 60.976/ES,
verbis: "[n]a espécie, a atuação direta do Ministério Público na fase
de investigação se revelou indispensável, por se tratar de infração
penal cometida no âmbito da própria polícia civil. A partir da notícia
levada a efeito pelas vítimas, cumpria ao Parquet, no exercício de sua
missão constitucional de titular da ação penal pública, apurar os fatos,
de forma a assegurar, de maneira eficaz, o êxito das investigações" (6ª
T., rel. Min. Og Fernandes, j. em 04/12/2011, DJ de 17/10/2011).
Proibindo-se a atuação do Ministério Público, a quem as vítimas de
violência policial deverão procurar? Aos colegas e compadres do
criminoso? Espera-se, sinceramente, que os nobres parlamentares não
vejam a atuação do Ministério Público como algo atentatório ao bem estar
da coletividade ou, pior, que não seja o momento de a Instituição zelar
pelos interesses da população, de modo que, na plasticidade de José
Saramargo, "por ser isto coisa do futuro. para só voltar quando fosse
coisa do passado"(Memorial do Convento. 16ª ed., 1986, p. 159).
Ainda
em relação ao modo como o Ministério Público interage com os cidadãos, a
PEC parece ignorar a realidade forense, em que os membros da
Instituição, rotineiramente, arquivam procedimentos e pedem a absolvição
de réus sempre que convencidos de sua inocência ou quando haja dúvida a
respeito de sua culpabilidade.
Além de estar assentada em
premissas equivocadas, a PEC nº 37-A, de 2011 também ostenta uma
funcionalidade distorcida. Em regimes democráticos, a ratio essendi de
um Parlamento sempre foi a de materializar, nos padrões normativos, os
anseios da população, da qual é o mais lidimo representante. De nossa
parte, é difícil acreditar que a população brasileira se sinta
totalmente protegida pela Polícia Judiciária e integralmente ameaçada
pelo Ministério Público. É, ainda, difícil imaginar que os desgastes
constantemente assumidos pelo Ministério Público, máxime por estar
constantemente em rota de colisão com os altos escalões do poder
político e econômico, passem despercebidos pela população brasileira.
Impedir que a Instituição investigue crimes, principalmente aqueles
praticados por policiais, é, de fato, um anseio da população brasileira?
Essa pergunta, por certo, será bem respondida pelos inúmeros
parlamentares efetivamente comprometidos com a realização do interesse
público, não com pequeninos interesses corporativos.
Por fim,
releva observar que a PEC nº 37-A, de 2011, incorre em grave incoerência
sistêmica. Afronta não só a possibilidade de as CPIs eventualmente
apurarem a prática de infrações penais (CR/1988, art. 58, § 3º) e o Ministério Público exercer suas atribuições institucionais, como são as de instaurar processos administrativos (CR/1988, art. 129, VI)
e promover o controle externo da atividade policial, como, também,
mostra-se nitidamente inconstitucional por afrontar os direitos e
garantias individuais, mais especificamente o limite material de reforma
consagrado no art. 60, § 4º, IV, da Constituição de 1988: "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir" (...) "os direitos e garantias individuais".
Não
é necessário um aguçado espírito científico para se constatar que a
proteção aos direitos fundamentais, como a vida e a integridade física,
não é alcançada, apenas, com a sua contemplação no texto constitucional.
É necessário um plus. É preciso que o Poder Público ofereça os
mecanismos necessários à sua projeção na realidade social e à
recomposição da ordem constitucional sempre que seja identificada a
violação desses direitos. Não haveria sentido, por exemplo, em assegurar
(1) o direito de acesso à Justiça se o Poder Público não contratasse
juízes e construísse tribunais; (2) o direito à vida, se não oferecesse
assistência material aos desvalidos e aos desassistidos etc. É nesse
contexto que se inserem as "garantias institucionais".
As
"Institutionelle Garantien", largamente estudadas no direito germânico,
há muito aportaram no direito pátrio, sendo comum a sua referência por
autores como Emerson Garcia (Ministério Público., 2008, p. 46-47) e
Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional, 2006, p 357). Devem
ser incluídas sob essa epígrafe a proteção e as atribuições que a Constituição
confere a certas instituições em razão de sua importância para a
sociedade e para a preservação dos direitos fundamentais subjacentes a
ela. Se o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o fato de o
Ministério Público ser o titular da ação (CR/1988, art. 129, I) e realizar o controle externo da atividade policial (CR/1988, art. 129, VII)
evidenciam a existência do poder implícito de promover investigações
penais, afigura-se evidente que qu alquer proposta que eliminar essa
garantia institucional terá reflexos diretos no nível de satisfação dos
direitos fundamentais, dentre eles a segurança pública, importando em
verdadeiro retrocesso social.
Acresça-se que, por ocasião do 8º
Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos
Delinquentes, foi aprovada uma carta de princípios recomendando, aos
Estados integrantes da ONU, a observância dos princípios ali estatuídos
com o fim de maximizar as garantias e as potencialidades da atividade
ministerial no combate ao crime. O item 15 dessa Carta está assim
redigido: "[o]s magistrados do Ministério Público obrigam-se em especial
a encetar investigações criminais no caso de delitos cometidos por
agentes do Estado, nomeadamente atos de corrupção, de abuso de poder, de
violações graves dos direitos do homem e outras infrações reconhecidas
pelo direito internacional e, quando a lei ou a pratica nacionais a isso
os autoriza, a iniciar procedimento criminal por tais infrações". N ão
bastasse a incoerência sistêmica no âmbito da ordem interna, a PEC nº
37-A, de 2011, também avilta a ordem internacional.
Em conclusão
dessas breves considerações, que expõem os vícios que atingem a PEC nº
37-A, de 2011, espera a Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público (CONAMP) seja ela rejeitada e, ao final, arquivada.
César Bechara Nader Mattar Jr.
Presidente CONAMP
Pessoalmente sou contrário a qualquer medida que vise obstar o poder de investigação do MP. Todas as forças devem unir-se no combate à criminalidade - inclusive "de colarinho branco" - que assola o país.
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