quarta-feira, 12 de março de 2025

Agressão de PM a oficial de Justiça expõe rotina de medo da categoria

Violência cometida por sargento contra a servidora do Tribunal de Justiça Maria Sueli Sobrinho joga holofote sobre situações de risco da atividade

Maria Sueli Sobrinho foi agredida por um sargento da Polícia Militar quando foi entregar uma intimação no último sábado (8/3), em Ibirité, na Grande BHcrédito: Marcello Oliveira/TV Alterosa

O caso de Maria Sueli Sobrinho, de 48 anos, oficial de Justiça que teve o nariz quebrado por um sargento da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) no último sábado (8/3), em Ibirité, na Grande BH, trouxe à luz parte dos perigos do dia a dia da profissão. Na ocasião, a trabalhadora foi agredida enquanto entregava uma intimação ao enteado do militar. Um levantamento feito por uma associação da categoria mostra que houve pelo menos 213 situações de violência praticadas contra oficiais de Justiça entre 2000 e 2024 pelo país.

A agressão contra Maria Sueli levou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a anunciar que pretende fazer uma reunião com o sindicato da classe para discutir medidas que garantam maior segurança à categoria. O Departamento Nacional de Polícia Judicial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também informou que vai acompanhar o caso.

Oficiais de Justiça e outros membros do Poder Judiciário ouvidos pela reportagem indicaram que situações de agressão verbal contra os trabalhadores no exercício da função são comuns, e que geralmente não escalaram para as vias de fato. Contudo, os números tendem a ser subnotificados. Não apenas porque nem o TJMG nem o CNJ não têm registros de violência contra seus servidores, mas também porque oficiais de Justiça deixam de registrar boletim de ocorrência com medo de represálias dos agressores.

A Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais do Estado de Goiás (Assojaf-GO) fez um dossiê com casos extremos enfrentados pela categoria e que foram noticiados pela imprensa desde 2000. Minas Gerais aparece no documento como o segundo estado com mais registros, com 21 casos, atrás apenas de São Paulo, com 55.

“Não temos estatísticas oficiais sobre isso, só aquilo que foi noticiado está nesse dossiê, mas com certeza isso está muito abaixo da realidade desses profissionais, que, inclusive, por essa característica de trabalhar sozinho, sem apoio policial e sempre na mesma região, têm receio de fazer ocorrência e sofrer algum tipo de represália. É uma categoria que vive de certa forma coagida e com medo da violência”, disse o diretor-geral do Sindicato dos Oficiais de Justiça Avaliadores do Estado de Minas Gerais (Sindojus/MG), Marcelo Lima Goulart.

Segundo o diretor, é muito comum o oficial sofrer agressões verbais e ser intimidado, podendo, inclusive, chegar a lesão corporal ou tentativa de homicídio. Tais ações deixam marcas no corpo e no psicológico dos profissionais.

Apesar de ter sido a primeira vez que foi agredida fisicamente em seus 18 anos de carreira, Maria Sueli afirmou em conversa com o Estado de Minas que está afastada esta semana para se recuperar física e emocionalmente. “Fico com medo. Estou emocionalmente abalada por tudo isso que vivi, que infelizmente acabou dessa maneira, mas é um risco diário da profissão que eu escolhi e vou continuar exercendo. Agressão verbal é cotidiano, não só na minha rotina, mas na rotina de todos os oficiais que conheço”, declarou Maria.


A oficial de Justiça Maria Sueli precisou ser hospitalizada após levar uma cabeçada e um soco no rosto
Imagens cedidas

Histórico do caso

Na ocasião em que foi agredida, Maria Sueli estava sozinha, como é de praxe na maior parte das diligências dos oficiais. Ela buscava pela pessoa que deveria ser intimada quando o sargento da PM Daniel Wanderson Do Nascimento, de 49 anos, se apresentou. No decorrer do procedimento, ele afirmou que, na verdade, a pessoa que a servidora procurava era outra e apontou para um homem que seria, supostamente, seu enteado.

A oficial relata que questionou o porquê de o sargento ter dado uma informação errada. A partir daí, ele começou a se aproximar e se tornou agressivo, e Maria afirmou que, caso fosse agredida, poderia chamar uma viatura. "Ele se aproximou e disse: 'Toma aqui sua viatura' e me deu uma cabeçada no rosto", relata.

Na sequência, o sargento deu um soco no rosto da oficial, o que a fez cair atordoada, e fugiu quando ela ligou para o marido, que é major da PMMG, pedindo que enviasse uma viatura para o local. O militar foi preso em flagrante horas depois e, em audiência de custódia nessa segunda-feira (10), foi determinada a prisão preventiva. Devido à agressão, Maria teve o nariz quebrado e está de licença médica esta semana para cuidar dos ferimentos.

Rotina solitária

O modelo de trabalho do oficial de Justiça é muito antigo, explica o sindicalista Marcelo Goulart. Entre as atribuições do profissional está garantir o cumprimento de ordens judiciais, desde simples intimações, como busca e apreensão de bens e pessoas, prisão civil do devedor de pensão alimentícia, até reintegração de posse, despejo e afastamento do agressor do lar em cumprimento à Lei Maria da Penha, entre outros.

“É um servidor que trabalha sozinho, sem veículo da instituição e sem nenhum tipo de equipamento de proteção ou de segurança e nem tem direito a portar arma de fogo. Ele cumpre esses mandados em todos os tipos de localidades, inclusive comunidades dominadas pela violência, localidades rurais distantes onde não pega sinal de celular, então, a própria forma que se organiza o trabalho do oficial hoje, expõe ele a um risco permanente de violência”, declara Goulart.

Segundo o diretor, o oficial de Justiça é acompanhado por forças policiais apenas em casos extraordinários e mediante determinação de um juiz. Na grande maioria dos casos, o profissional solicita apoio policial quando a situação sai do controle, como foi o caso de Maria Sueli. Marcelo explica ainda que os oficiais de justiça não têm acesso prévio aos bancos de dados da polícia, ou seja, não sabem o histórico criminal dos intimados. Além disso, por atuar sempre na mesma região, há receio de denunciarem casos de ameaças e desacatos e sofrerem represálias.

A oficial de Justiça Vanessa Mara Teixeira, de 42, viveu diversas situações do tipo. Desde que se tornou servidora do Judiciário, em 2006, a profissional passou por situações mais ou menos agressivas, o que a faz ter certo temor no dia a dia do trabalho. Certa vez, Vanessa foi entregar uma intimação à noite em um bairro dominado pelo tráfico de drogas, e, ao chegar com o carro com os vidros fechados, foi abordada por vários homens que chegaram a apontar uma arma na sua cabeça quando abaixou o vidro.

"Disse para eles ‘só estou entregando papel, moço. Não sei de nada não’”, ao passo que eles responderam que “quem anda com vidro fechado toma bala, porque quem atira por último morre", e a mandou sair dali. Vanessa conta que não apenas deixou de entregar a intimação como também preferiu não denunciar o ocorrido às autoridades policiais, já que, caso a denúncia fosse aceita, os envolvidos seriam chamados para prestar depoimento.

Outra situação semelhante foi quando, ao chegar num presídio para cumprir um mandado, foi recebida pelos detentos nas celas com gritos de “olha a oficial aí”, sendo que um deles falou "essa daqui é X9. Ninguém aqui fica preso pro resto da vida, ela vai ver". Ao conferir a lista de detentos daquela cela, a oficial descobriu que o preso que disse aquilo havia sido intimado por ela no processo que o levou à prisão. “Toda vez que vou ao presídio procuro saber se ele ainda está preso, porque, se ele for solto, vou precisar tomar alguma medida para garantir minha segurança”, conta.

Possibilidade de mudança

Depois da repercussão da agressão vivida por Maria Sueli, a administração do TJMG informou que vai se reunir com o sindicato da categoria para discutir a adoção de medidas visando à preservação da integridade física e moral dos trabalhadores. A expectativa é que a reunião aconteça ainda esta semana.

O diretor-geral do Sindojus-MG disse que vai propor medidas para minimizar o risco para os oficiais de Justiça, como promoção de cursos de autodefesa e de prevenção de conflitos. Será solicitada também a sistematização dos dados sobre violência contra a categoria.

Maus-tratos

Durante a audiência de custódia, o sargento Daniel Wanderson do Nascimento, preso por ter agredido a oficial de Justiça Maria Sueli, alegou ter sofrido maus-tratos durante sua detenção. Na ata da audiência, o sargento disse ter recebido um mata-leão e ter sido jogado dentro da viatura de qualquer forma. Também disse ter ficado mais de oito horas algemado com a mão para trás, sem comida e sem água.

O sargento alegou ter informado aos policiais que passa por tratamento oncológico, por causa de um câncer na medula e, por isso, teria que tomar os medicamentos na hora correta. Porém, segundo alega, apenas depois de algumas horas é que policiais foram à sua casa e buscaram os remédios.

O militar afirmou ainda que pediu para afrouxarem as algemas. E que, inclusive, toma remédio para dor de duas em duas horas, mas que o procedimento só foi feito horas depois, quando chegou um PM da parte hospitalar. Na sequência, o preso foi levado para um hospital, onde tomou remédio para dor, antes de ser ouvido.

InfoJus Brasil: com informações do jornal Estado de Minas

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