O médico cassado Denísio Marcelo Caron acaba de ser condenado pelo 2º
Tribunal do Júri de Goiânia a 13 anos de prisão. Ele foi considerado
culpado pelo morte da oficial de Justiça Flávia Rosa de Oliveira, de 23
anos. Ela morreu em 12 de março de 2001, em Goiânia, em decorrência de
complicações em uma lipoaspiração realizada por ele. Caron chegou à
Goiânia na última segunda-feira (26) para acompanhar o julgamento, que
foi presidido pelo juiz Lourival Machado da Costa. Enquanto se preparava
para a sessão do júri popular, Caron falou na tarde de ontem, por quase
duas horas, com exclusividade com o Rota Jurídica. Ele contou com tem
sido sua vida em Natal, para onde se mudou há alguns anos.
O julgamento de Caron começou por volta das 9 horas, com a escolha do
corpo de jurados. Foram cinco homens e apenas duas mulheres. Muito
compenetrados, eles começaram a ouvir o depoimento das testemunhas
arroladas no processo. A primeira a ser ouvida foi O médico Nascif
Ballura Neto, coordenador do estágio em cirurgia plástica feito por
Caron. Ele afirmou que Caron não fez residência, apenas estágio no
hospital Mário Gatti, em Campinas, São Paulo. Segundo Nacif, o médico
cassado apenas assistia as cirurgias e acompanhava procedimentos,
auxiliando com instrumentação, como segundo ou primeiro auxiliar, mas
nunca como cirurgião.
Já a médica Ana Flávia Gonçalves dos
Santos, que atendeu Flávia Rosa na UTI do Hospital Jardim América,
começou a ser ouvida há poucos minutos. Ela disse que a vítima chegou
ao hospital confusa, com abdômen endurecido, falta de ar e anemia grave.
Segundo
Ana Flávia, Caron considerou "normal" o quadro de Flávia, mas ela
preferiu chamar um outro cirurgião, que mandou abrir o abdômen da vítima
e constatou a perfuração. "Se passaram cerca de 12 horas até essa nova
intervenção", afirmou. Em sua análise, a cânula utilizada na
lipoaspiração da Flávia deveria estar em posição errada, por isso
perfurou o fígado dela. Ela admitiu, no entanto, que se o fígado
estivesse inchado, a cânula poderia tê-lo perfurado sem erro de
percurso. "Mas era obrigação de Caron saber se esse era o caso de Flávia
antes de operá-la", destacou.
A prima de Flávia Rosa, Caroline
Rodrigues de Oliveira Rosa, também foi ouvida na manhã de hoje. Ela
disse que outras três pessoas da família, além de Flávia, já fizeram
cirurgias plásticas com Caron e que uma delas, sua tia Vera Lúcia,
morreu um dia depois do procedimento. "Ele se apresentava como cirurgião
plástico", afirmou Caroline.
Ela disse que Flávia já saiu da
cirurgia sentindo muitas dores e que, ao ser informado disso, Caron
disse que era apenas "manha". Ainda de acordo com ela, depois da morte
da Vera, Caron disse que largaria a medicina e sua família o apoiou para
que ele não tomasse essa atitude. "É por isso que tantos parentes meus
operaram com ele", justificou. Segundo Caroline, Caron fazia qualquer
negócio para operar, parcelava e dava descontos. Quando Flávia passou
mal, a familía teve dificuldades de contactar Caron, que "estava
incomunicável". Quando finalmente encontrado, disse que a falta de ar
sentida por Flávia era psicológica. "Ele foi omisso", afirma Caroline.
Já
a mãe de Flávia, Mônica Oliveira, contou que também fez cirurgia
plástica com Marcelo Caron e que o resultado foi satisfatório. Chorando
muito, ela abraçou as irmãs e falou da saudade que sente da filha.
2 mil cirúrgias -
Após os depoimentos das testemunhas, o médico cassado foi interrogado.
Ao ser ouvido, Caron afirmou que realizou cerca 2 mil cirurgias
plásticas e que, destas, apenas quatro resultaram óbito: dois em
Brasília e dois em Goiânia. Ele garantiu que gostava muito de Flávia e
da família dela e afirmou lamentar sua morte.
Segundo Caron, a
oficial de justiça foi operada numa terça-feira, teve alta dois dias
depois e morreu na segunda-feira seguinte. Ele afirmou tê-la vista no
sábado à noite quando, ao constatar a gravidade do caso, a encaminhou
para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). "Por mim ela ficaria
internada mais tempo, mas dei alta porque ela era jovem, saudável e que
queria ir pra casa", relatou.
O médico cassado informou que, além
da perfuração no fígado, que acredita ter sido feita pelo cirurgião
geral, Flávia também sofreu infecção. "Acompanhei a abertura do abdômen
dela e seu fígado estava inchado", assegurou, sustentando que a
perfuração era grande e, por isso, não poderia ter sido feita por uma
cânula de lipoaspiração. Ele chegou a dizer que daria sua vida para ter a
de Flávia de volta, momento em que a mãe da vítima deixou o tribunal.
Marcelo
Caron chorou muito ao falar do filho que nasceu na época das mortes de
suas pacientes, e também ao falar da morte de sua concunhada, Janete,
primeira de suas pacientes a morrer. Disse acreditar que suas falhas
podem ter sido resultado muito mais de distúrbios pessoais do que
profissionais e destacou que os problemas com suas cirurgias provocaram
baixa em sua auto-estima. Por outro lado, informou ter sido absolvido de
25 das 29 denúncias a que respondeu por lesão corporal. Sobre anúncio
de realização de cirurgia plástica em carro de som, Caron afirmou que
isso foi uma brincadeira infeliz de um colega de Turvânia. "Fiz um termo
de ajustamento de conduta com o MP para deixar de atuar em Goiânia. Fui
mal orientado e entendi que o acordo era válido só pra Goiânia. Hoje
vejo que errei", admitiu.
Acusação - O promotor
Maurício Gonçalves de Camargo terminou por volta das 15h40 sua
explanação no julgamento de Caron. Ele pediu a condenação do réu por
homicídio qualificado por motivo torpe. ''Se aventurou em fazer
cirurgias plásticas sem qualificação. Isso não é assumir o risco?'' ,
questionou, para em seguida, concluir: "Isso é o mesmo que dirigir
embriagado, pois se assume o risco de matar".
O promotor admitiu
até mesmo a possibilidade de Caron não ter, de fato, desejado a morte da
vítima. Mas sustentou sua crença "inabalável" de que ele assumiu o
risco de matar a partir do momento em que se propôs a fazer cirurgias
sem o conhecimento técnico que a prática exige.
Para a acusação, a
infecção de Flávia foi provocada por perfuração no fígado ocasionada,
por sua vez, pela imperícia de Caron. O promotor observou que o fato de o
laudo de exumação do corpo de Flávia ter constatado lesão contusa no
fígado indica que a perfuração foi provocada pela cânula usada na
lipoaspiração. Maurício sustentou, ainda, que o ex-médico tinha plena
noção dos riscos que suas pacientes corriam e frisou: "Ele foi
irresponsável do início ao fim".
Três condenações
- Caron já tem experiência no banco dos réus. Das quatro denúncias por
homicídio, ele já foi julgado e condenado em três. O primeiro julgamento
ocorreu em abril de 2009, no 1º Tribunal do Júri de Goiânia. Acusado de
ter provocado a morte da advogada Janet Virgínia Novais Falleiro, em 14
de janeiro de 2001, ele foi sentenciado a 8 anos de prisão. A advogada
morreu devido a complicações resultantes de uma cirurgia de
lipoescultura realizadas por Caron. A defesa já recorreu da decisão dos
jurados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ainda não julgou os
recursos.
Outros dois casos ocorreram no Distrito Federal.
Adcélia Martins de Sousa, de 39 anos, morreu em Brasília, em janeiro de
2002, depois de fazer lipoaspiração. No mês seguinte, em fevereiro, a
universitária Graziela Murta, de 26 anos, também morreu após
complicações no mesmo tipo de cirurgia. Pelas mortes, ele foi
sentenciado a 29 anos e 6 meses. A defesa também já recorreu das
condenações ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal. No entanto, os
processos ainda não transitaram em julgado.
Além dos crimes de
homicídio, Caron responde a outros 29 por lesão corporal. Apesar disso,
ele sustenta que já foi absolvido em 25 ações dessa natureza. Restaram
apenas quatro processos. Dois deles tramitam em varas criminais da
capital goiana e dois outros já transitaram em julgado - tratam-se
daqueles que ele já cumpre pena no regime semi-aberto em Natal.
Fonte: Rota Jurídica