O Oficial de Justiça e dirigente do Sintrajud Marcos Trombeta analisa os debates ocorridos no recente encontro da União Internacional do segmento.
Por Marcos Trombeta*
Estive presente no XXV Congresso Internacional da UIHJ, realizado em maio de 2024, pela primeira vez no Brasil, na condição de observador do Sintrajud.
A entidade organizadora, UIHJ ou Union Internationale des Huissiers de Justice (União Internacional de Oficiais de Justiça) foi fundada na França em 1949 e engloba cerca de 100 entidades representativas de Oficiais de Justiça em diversos países. Seu Congresso Internacional acontece a cada três anos e, neste ano, foi realizado na cidade do Rio de Janeiro. Cabe registrar que durante este Congresso, filiaram-se mais duas entidades brasileiras, a Federação das Entidades Sindicais dos Oficiais de Justiça do Brasil (Fesojus) e a Associação Federal dos Oficiais de Justiça do Brasil (Afojebra). Até então, a Associação Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (Fenassojaf) era a única filiada à UIHJ no Brasil.
O tema do Congresso foi “Oficial de Justiça: o agente de confiança” ou, em inglês, “The judicial officer: the trusted third party”.
Um dos objetivos manifestos do evento foi trabalhar a definição de Oficial de Justiça como um agente de execução e de “ confiança ”, que atua de forma imparcial e justa em relação às partes do processo, além de abordar a necessidade de multidisciplinariedade e de os profissionais se manterem abertos às novas tecnologias.
Muitas das falas durante as palestras enfatizaram a necessidade de atuação imparcial e neutra, segundo padrões éticos, para conferir credibilidade ao trabalho dos Oficiais de Justiça. A preocupação em conceder tratamento uniforme aos jurisdicionados, sem favorecimentos, precisa ser devidamente contextualizada, conforme veremos adiante.
A UIHJ lançou, alguns anos atrás, o “código mundial de execução”, documento que reúne um conjunto de “regras” de “boas práticas” com a finalidade de servir como modelo para influenciar as legislações nacionais sobre o tema. A este documento foram acrescidas, recentemente, regras acerca da atuação virtual. A ênfase no aspecto da “confiança” se deve a estas novas regras que foram publicadas pela entidade.
Parte das palestras foi dedicada ao e-codex, um sistema de comunicação eletrônica entre os Judiciários de diferentes países da União Europeia, durante as quais foi revelada uma certa preocupação com perda de atribuições. Um palestrante europeu relatou que, dentro da União Europeia, os Oficiais de Justiça de diferentes países se comunicam e enviam documentos diretamente uns para os outros nos casos de cumprimento de decisões judiciais que exijam atos em mais de um país membro.
Houve um relato das atividades da UIHJ, que em síntese foram atuações juntos a organizações internacionais com a finalidade de padronizar e uniformizar o trabalho dos Oficiais de Justiça em diferentes países. De forma geral, a UIHJ apresenta muito interesse em atuar para influenciar órgãos governamentais e legislações, especialmente no âmbito da União Europeia, o que também precisa ser contextualizado.
A abordagem dos palestrantes e suas preocupações só podem ser devidamente compreendidas à luz da realidade profissional dentro da qual exercem as suas atividades. Neste sentido, é fundamental observar que na Europa e em parte da América, inclusive América do Sul, Oficial de Justiça é um profissional liberal que atua mediante autorização do poder público, ou aprovação em concurso, e não propriamente um servidor público remunerado pelo Estado, como ocorre no Brasil. O trabalho é parcialmente parecido, mas o contexto profissional é muito diferente.
Naqueles países, os Oficiais de Justiça podem contar, mediante contratação própria, com um ou mais funcionários para fazerem parte de seu trabalho e ainda detêm elevado poder de decisão em relação às suas atribuições e perante as partes do processo, ao contrário do que acontece no Brasil.
Quanto às regras de conduta ética, houve discussão entre diferentes palestrantes sobre as manifestações dos Oficiais de Justiça nas redes sociais, sendo que parte deles se manifestou no sentido de se impor certa limitação à liberdade de expressão para preservar a imagem pública dos Oficiais. Uma representante africana disse que as manifestações dos Oficiais de Justiça sobre política teriam muito peso e um norte-americano manifestou-se em sentido contrário, numa clara demonstração de que a percepção da relevância social do cargo ou profissão para a sociedade varia conforme cada país.
Um palestrante francês mencionou que os Oficiais de Justiça, em um determinado momento, em seu país, haviam sido obrigados a frequentarem “cursos de jurisprudência” para melhor interpretarem as decisões judiciais. Outra francesa declarou que os Oficiais de Justiça são “mediadores da sociedade” e “garantidores de direitos”, refletindo as atribuições definidas pelo ordenamento jurídico de seu país.
Depois, em uma conversa elucidativa com uma Oficiala portuguesa, esta afirmou que recebe não um mandado para cumprir, mas sim a própria sentença e que precisa interpretá-la e aplicá-la, disse ainda que trabalha em um escritório juntamente com outros profissionais, inclusive advogados, e que, como recebe de acordo com o trabalho realizado, tem interesse em novas atribuições para os Oficiais de Justiça, uma vez que significa maior ganho econômico.
Naqueles países, como os Oficiais de Justiça são profissionais liberais, existe a possibilidade de credores/exequentes se tornarem clientes e, com isso, estabelecerem uma relação econômica/contratual próxima. Então, imagine-se um banco ou uma empresa que tenha muitos processos de execução, o Oficial de Justiça que vier a ser contratado poderia ficar tentado a atuar em benefício de seu cliente e em detrimento da outra parte do processo. Tal problema inexiste no Brasil, uma vez que, por serem servidores públicos, e não partes interessadas, a atuação é neutra em relação às partes do processo.
O próprio regime jurídico dos Oficiais de Justiça no Brasil – com regras próprias e a importante previsão da estabilidade consignada na Constituição Federal – garante atuação imparcial em relação às partes, na condição de funcionários do Estado, sem relações econômicas com os agentes do mercado.
Conclusão: É muito diferente a realidade dos Oficiais de Justiça de outros países em relação ao Brasil, o que exige observarmos com bastante cautela as ideias propagadas pela UIHJ, boa parte das quais são inaplicáveis ao nosso contexto. A ênfase na necessidade de credibilidade e de observância de conduta ética se deve ao fato de que Oficiais de Justiça naqueles países, por terem relações contratuais e econômicas com exequentes (bancos, grandes empresas), podem acabar tendendo a favorecer seus clientes. A preocupação com novas atribuições é basicamente econômica, por maiores ganhos. As demandas junto a órgãos governamentais se justificam por serem profissionais liberais, com grande poder de decisão, o que os leva a algumas preocupações que, dentro do nosso contexto, não fariam sentido, pois são atribuições inerentes às administrações dos tribunais.
* Marcos R. Y. Trombeta, Oficial de Justiça da Justiça Federal da Terceira Região e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo.
InfoJus: com informações do Sintrajud