ATIVIDADE DE RISCO
Após confrontos entre Polícia Militar e
moradores na quinta-feira, a desocupação de um terreno na região de São
Mateus, na Zona Leste de São Paulo, foi encerrada após quase 12 horas
de tensão, tristeza e desespero dos moradores. Uma pessoa foi detida.
Apesar de não ter havido embate direto
durante a tarde, foram feitas barricadas com pneus incendiados na região
e um homem foi detido por agressão a um oficial de Justiça. O suspeito
foi levado ao 55° Distrito Policial algemado, mas negou ter tomado
qualquer atitude agressiva.
A revolta dos despejados durou até o fim
da ação policial que garantiu aos proprietários a retirada dos
moradores. Por volta das 16h, sem nenhum aviso e com pessoas passando ao
redor, um dos tratores foi ligado e começou uma demolição. Algumas
pessoas tiveram que gritar para que o motorista do trator parasse porque
haveria crianças dentro de uma casa ao lado daquela que estava com os
muros sendo derrubados.
Ex-morador de uma das casas, Michael da
Silva tinha acabado de retirar seu telhado para que a demolição
ocorresse a qualquer instante. Ele morava no local há nove meses com a
namorada e disse que o aviso de que teria que sair foi repentino.
”Anteontem a polícia entregou um papelzinho de cinco centímetros,
avisando que a gente tinha que sair. Aí viemos hoje tirar as coisas e
vamos para a casa da minha mãe”, contou contrariado. Ele não sabia que
havia comprado um terreno que não estava à venda, nem tinha documentos
que comprovassem a compra do lote.
A situação se repetia com outras
pessoas. Elimaro Andrade, que morava em um dos terrenos desapropriados
com esposa e três filhos, passou mal e teve que ser levado ao hospital
quando viu sua casa demolida. “Quebraram minha casa com tudo dentro,
todos os móveis”, lamentou. Ele também não tinha documentos da compra do
terreno e não sabia para onde ir.
Quando a demolição estava sendo
finalizada nas últimas casas, quatro estudantes que moram na região
contaram que um ônibus foi incendiado nas redondezas, por volta das
17h30, como mais uma forma de protesto à desapropriação dos terrenos,
mas a PM não confirmou a informação.
Alguns dos moradores que tiveram suas
casas demolidas se dirigiram à sede da subprefeitura de São Mateus para
cobrar alguma solução, já que muitos não tinham para onde ir. Eles
chegaram lá por volta das 18h, mas às 19h já tinham deixado o local.
José Domingos de Araújo Filho, assessor
da subprefeitura, informou que, para cooperar com as famílias, haverá um
cadastramento daqueles que perderam seus lares. “Amanhã, às 10h, as
pessoas podem vir (à sede da subprefeitura) que, de acordo com a
situação de cada um, serão encaminhadas para o (programa) Minha casa,
minha vida ou para o auxílio-moradia”.
Araújo Filho disse que os moradores serão informados pela comissão criada pelos próprios ex-moradores do terreno em São Mateus.
Histórico da reintegração
Desde o início da manhã, os moradores
resistiram à reintegração do terreno particular. Eles colocaram fogo em
duas barricadas, feitas de madeira e pneus, que foram montadas nos
acessos à área de cerca de 77 mil metros quadrados.
Enquanto a PM tentava realizar a
reintegração nesta uma outra parte do terreno no começo desta tarde,
moradores voltaram a fazer barricadas de pneus no local onde houve a
desocupação pela manhã.
Para que a determinação judicial pudesse
começar a ser cumprida, a PM jogou bombas para dispersar o grupo e
entrar na área por um dos acessos. Um fotógrafo foi atingido por um
estilhaço e ficou ferido, mas passa bem.
Pouco depois, alguns moradores se
sentaram em tijolos na tentativa de impedir a passagem dos policiais
enquanto outros jogaram pedras e paus nos PMs. Nesse momento, a polícia
revidou com bombas de efeito moral e balas de borracha. A dona de casa
Maria Telma Freires, de 29 anos, exibiu três balas de borracha e disse
que o irmão de 10 anos ficou ferido no pé.
O major Luiz Roberto Miranda Junior,
responsável pela ação da polícia na reintegração de posse, em princípio,
negou ter utilizado balas de borracha na ação. Porém, quando
questionado pelo G1 sobre que material seria aquele coletado por
moradores, ele confirmou que se tratava de balas de borracha. “Pode ser
que tenham atirado para cima”, declarou.
Após as manifestações que pediam a
redução nas tarifas de transporte público, o governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin, afirmou na semana passada que esse tipo de arma estava
proibida para conter manifestações. O governador, porém, não fez nenhuma
observação específica sobre confrontos em caso de reintegração de
posse.
A assessoria de imprensa da PM reiterou
em contato com o G1 que não foram utilizadas balas de borracha durante a
operação. Porém, a corporação disse que irá apurar se, eventualmente,
algum soldado usou o armamento, e serão tomadas as devidas providências.
Em relação às balas mostradas pela moradora, a polícia disse que a
região é muito conflituosa e que elas podem ter sido usadas em outra
ocasião.
Decisão judicial
A decisão de manter a reintegração de
posse do terreno foi dada nesta quarta-feira (26) pelo juiz Alessander
Marcondes França Ramos, da 1ª Vara Cível. De acordo com o Tribunal de
Justiça de São Paulo, ele negou o pedido da defesa dos moradores para
suspender a reintegração. O juiz entendeu que não cabe aos donos do
terreno providenciar moradia para os ocupantes da área.
Ramos facultou, no entanto, à Defensoria
Pública o eventual encaminhamento das famílias “que entende carentes”
aos órgãos competentes para analisarem a questão de moradia. Um defensor
público acompanha a reintegração na manhã desta quinta-feira.
O advogado Davidson Gomes Vieira, que
defende os interesses dos proprietários da ação de reintegração do
terreno, diz que parte da área foi desapropriada. “O terreno pertence às
famílias Zarzur, Zogbi e Nigri desde 1977. Eles são loteadores do
Parque São Rafael, com 5 mil e poucos lotes. Desse espaço, temos
desapropriação no subsolo por conta de dutos subterrâneos, mas o solo
continua do proprietário para zelar e evitar perfurações nele. Também
foi desapropriada parte da área para construção de um colégio que existe
no local há mais de 40 anos. Sobraram 77 mil metros quadrados”, disse.
De acordo com o advogado, esse é o
quarto pedido de reintegração de posse feito por ele, desde que famílias
ocuparam o local. “Eram meia dúzia de casas em novembro de 2012. Agora
não sei quantas são”, afirmou. Ele disse que todos os ocupantes estavam
sendo avisados desde fevereiro sobre a reintegração. Os donos do terreno
negociam a venda da área com empresas da construção civil interessadas
em erguer conjuntos habitacionais.
Fonte: Globo.com
Extraído do site da ASSOJAF/GO