por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente
Utilizado por mais de
38 milhões de brasileiros, o WhatsApp anunciou, recentemente, uma nova funcionalidade: o aviso de leitura de mensagens (simbolizado por dois tiques azuis). A mudança gerou angústia em muitos usuários, que ficaram preocupados em como iriam justificar uma demora na resposta de suas mensagens.
Com a medida, o aplicativo diferencia-se ainda mais de seus antecedentes, como o SMS, em instantaneidade: já era possível ver quem está online, o último horário de acesso, criar grupos e encaminhar mensagens, sons, imagens e vídeos. A popularidade da plataforma tem justificado sua utilização para diferentes finalidades, das mais “sérias” às mais informais. São comunicações de pessoa a pessoa, pequenos grupos de família, de amigos ou de equipes de trabalho em empresas, grandes grupos de faculdades e de mobilização por causas.
Um juiz de Presidente Médici (RO) parece ter dado mais uma utilidade para o aplicativo. Ele determinou que uma intimação judicial (espécie de comunicação oficial de ato do processo) fosse realizada pelo meio “menos oneroso e rápido (telefone, email, whatsapp…)”,
conforme noticiou o portal de notícias Migalhas. A intimação era para que a autora da ação enviasse sua conta corrente para receber dinheiro.
Mas isso não é bom? Não seria muito mais rápido usar o WhatsApp da autora para se comunicar com ela? Para muitos, a formalidade do Judiciário parece apenas uma burocracia desnecessária. A discussão sobre a morosidade da Justiça, quando feita sem aprofundamento, pode contribuir para isso. É tudo culpa da “papelada”, que demora tanto a sair.
É preciso lembrar, entretanto, que algumas dessas formalidades não existem à toa: elas visam assegurar importantes direitos. Por exemplo, garantem que os atos processuais sejam efetivamente comunicados às partes, que então poderão se defender de acordo. Imagine se uma ação contra você pudesse correr sem que se tivesse certeza de que você sabe dela. A não comunicação de um ato processual pode prejudicar o direito de defesa.
Mas a formalidade não parou no tempo. A Lei n. 11.419/2006 estabelece regras para o uso de meios eletrônicos na tramitação de processos judiciais. Para tanto, foram criados mecanismos de credenciamento e verificação da identidade do advogado, que deve apresentar documentos para a obtenção de uma “assinatura eletrônica”. No caso de comunicação eletrônica dos atos processuais, como é o caso da intimação, a lei prevê que ela deva acontecer em portal próprio, sendo admissível recorrer a outros meios apenas em casos excepcionais.
As regras previstas na legislação dinamizam o sistema, mas mantêm a preocupação com a confiabilidade. Quem nunca recebeu um email falso que se dizia vindo da Justiça, da Polícia ou do Ministério Público? A mensagem sempre parece séria e termina com um “clique aqui”. Basta clicar para o seu antivírus surtar ou, se você não tem antivírus, para que você mesmo surte. São emails com mecanismos maliciosos tentando roubar senhas e informações pessoais. A implementação de filtros de spam nos serviços de email diminuiu a frequência com que nos deparamos com esses emails, mas a prática ainda é comum. Se o Judiciário começar a usar o email para se comunicar com as partes, como distinguir os emails oficiais dos maliciosos? Como saber se o email não foi direto para a lixeira do usuário? Será que um mero “aviso de leitura” seria suficiente?
Um outro ponto é que as plataformas de comunicação como email e WhatsApp são mantidas por empresas privadas, e regidas por termos de uso definidos unilateralmente (e que quase ninguém lê). Utilizar meios como esse para a comunicação de informações judiciais pode expor a privacidade do cidadão. As informações e atos do processo vão se somar às milhares de informações que essas empresas já têm. E se elas começarem a ser usadas para fins publicitários? Não seria interessante oferecer uma linha de crédito a uma pessoa que está respondendo a um processo de cobrança? E se ocorrem falhas de segurança no software e vazam informações que corriam em segredo de justiça? Quem pode ser responsabilizado pelos danos causados em casos como esse, o Judiciário ou a plataforma?
O devido processo legal é uma garantia essencial das democracias e, muitas vezes, a formalidade dos atos judiciais é condição para sua existência. Nada contra a celeridade processual, pelo contrário; ela apenas não pode vir a qualquer custo.
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/