sábado, 4 de janeiro de 2020

Lei reforça papel do MP, mas acordo de não persecução requer fiscalização


Papel do MP é reforçado com novas regras para o arquivamento de inquérito policial

O arquivamento de inquéritos policiais é um dos aspectos do Código de Processo Penal que foi alterado com a aprovação da Lei 13.964, a "lei anticrime" — que também cria acordo de não persecução para crimes sem violência. E as novas regras têm provocado discussões que vão além da esfera do Ministério Público.

À ConJur, o jurista Lenio Streck enxergou problemas nas alterações. “O MP teve seu papel reforçado. De todo modo, juntamente com essa institucionalização do acordo de não persecução, deveria vir a obrigação de o MP colocar na mesa todas as provas, inclusive as que favorecem o réu. Temo que pessoas inocentes possam aceitar acordos sem necessidade. Ou casos em que as provas são frágeis e o MP pressione o indiciado. Terá que ter muita fiscalização. A alteração também dá lugar para a vítima, que poderá intentar revisão no órgão do MP quando não concordar com o arquivamento”, comenta.

A procuradora da República Monique Cheker também se manifestou. “O novo artigo 28-A, do CPP, regulamenta os "Acordos de Não Persecução Penal", mas prevê uma interferência indevida judicial na avaliação da não homologação (se o juiz considerar "inadequadas" as cláusulas) com previsão de recurso em sentido estrito (novo artigo 581, XXV)”, escreveu nas redes sociais.

Ela disse acreditar que a nova redação trará problemas ao se interpretada. “O caso de não homologação deve ser remetido à apreciação do órgão superior do MP, sob pena de violação do sistema acusatório. Ora, se o MP pode arquivar o inquérito policial, o Judiciário não pode forçar o órgão acusador a denunciar alguém. Essa previsão dará problemas na prática”, vaticinou.

O criminalista Conrado Gontijo, por sua vez, enxerga um possível aumento de trabalho para o Ministério Público. “A nova sistemática aplicável às hipóteses de arquivamento de inquéritos policiais e elementos de informação se aproxima daquela que, usualmente, se aplica aos inquéritos civis públicos. A partir de agora, não basta para o arquivamento de investigações criminais a homologação judicial da promoção de arquivamento feita pelo Promotor Natural do feito. Passa a ser necessária, também, a confirmação (homologação) dessa decisão de arquivamento por órgão de revisão do MP. O arquivamento, portanto, será feito em duas etapas, assegurada a cientificação do investigado e da vítima. Ademais, institui-se a possibilidade de recurso em face dessa decisão de arquivamento. Trata-se de medidas que visam a conferir mais discussão sobre as hipóteses de arquivamento dos procedimentos criminais e que farão aumentar ainda mais a enorme sobrecarga de trabalho que assola os ministérios públicos país afora”, comenta.

Em artigo publicado na ConJur, o doutor em Direito pela USP Vinicius Gomes de Vasconcellos afirma que as alterações envolvendo arquivamento de inquéritos eram há muito reclamadas por parte dos estudiosos.

“Na lógica atual do CPP/41, o juiz pode discordar do pedido de arquivamento feito pelo MP e remeter a questão para órgão superior interno à instituição acusatória. Assim, a denúncia poderia ser oferecida por outro membro do MP ou o pedido de arquivamento mantido. Tal dispositivo é criticado por parte da doutrina, ao passo que violaria as diretrizes do sistema acusatório, pois permite a intromissão do julgador em âmbito de decisão sobre a acusação, contaminando assim a necessária imparcialidade. O PL aprovado no Congresso altera o CPP para suprimir tal controle judicial sobre o arquivamento da investigação preliminar e fortalece a atuação da vítima. O inquérito será remetido para homologação ao órgão superior no próprio MP e a vítima poderá se manifestar se discordar do arquivamento”, pontou. Vasconcellos também destaca que a “a redação dos dispositivos parece um pouco confusa”.

Fernando Castelo Branco, professor de direito penal da pós-graduação da Escola de Direito do Brasil, destaca que, com as novas regras, o MP é obrigado a comunicar o arquivamento para a vítima, o investigado e a autoridade policial. “Esse é o grande ponto. Isso não acabou com o poder revisional, que na minha opinião deve ter como uma forma de tutela de todos os entes participantes de uma investigação policial, quando o MP determina o arquivamento do inquérito”, diz.

Segundo ele, a nova redação apresenta um avanço. “Já tínhamos essa cautela básica, mas o aspecto revisional de arquivamento foi aprimorado. Primeiro por manter a decisão de arquivar com a autoridade competente sem deixar de passar pelo crivo do investigado e da vítima”, comenta.

Rafa Santos é repórter da revista Consultor Jurídico.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de janeiro de 2020, 9h21

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