quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Recusa dos Auditores Fiscais do Trabalho de utilizar meios de transporte público, veículo próprio ou conduzir veículo oficial.

Para: Secretaria de Inspeção do Trabalho



Os Auditores-Fiscais do Trabalho que assinam, com base no Direito de Petição estabelecido nos artigos 104 e seguintes da Lei 8.112/90, bem como no direito subjetivo de recusa de cumprimento de ordens manifestamente ilegais do artigo 116, inciso IV do mesmo diploma, para expor e então requerer o que se segue:

Da atividade dos Auditores Fiscais do Trabalho e condições de trabalho

O Regulamento de Inspeção do Trabalho, Decreto 4.552/2002, enumera taxativamente em seu artigo 18 diversas atribuições pertinentes aos Auditores Fiscais do Trabalho, dentre as principais elenca-se a de verificar o cumprimento das disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à saúde no trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego.

Em regra, as fiscalizações acerca do cumprimento da legislação trabalhista e segurança e saúde dos trabalhadores são realizadas no estabelecimento do empregador (fiscalizações diretas), condição imprescindível para na maioria dos casos terem um mínimo de efetividade, tendo em vista a necessidade de verificação de irregularidades por meio de inspeção física, entrevistas com os trabalhadores e demais situações que só podem se constatar “in loco”. Assim, necessário se faz o deslocamento dos Auditores Fiscais do Trabalho para realizar suas atribuições e cumprir as Ordens de Serviço que lhe são determinadas.

No entanto, apesar da necessidade permanente de deslocamento de seus servidores, o Ministério do Trabalho e Emprego (atualmente Ministério do Trabalho e Previdência Social) não mantém a estrutura necessária para que os Auditores Fiscais do Trabalho exerçam suas atribuições legais. Com efeito, há uma política de desmantelamento progressivo das condições de trabalho da fiscalização trabalhista na qual se inclui a futura eliminação da função de motorista, uma vez que não se realiza concursos para preencher o cargo, sem elucubrar qualquer alternativa viável a curto prazo.

A solução que vem sendo adotada pela Administração é repassar aos próprios Auditores Fiscais do Trabalho mais esse ônus pela utilização de veículo particular dos mesmos na realização dos deslocamentos que tem que ser atribuídos pelos próprios servidores. Essa solução é eivada de diversos vícios, como será exposto abaixo.

Da faculdade de uso de veículo próprio

O Decreto 3.184/99, especialmente em seu art. 1°, ao regulamentar a indenização de transporte prevista no art. 60 da Lei 8.112/90, deixa claro ser faculdade do servidor a utilização, ou não, de veículo próprio para o exercício das suas atribuições:

Art 1º Conceder-se-á indenização de transporte ao servidor que, por opção, e condicionada ao interesse da administração, realizar despesas com utilização de meio próprio de locomoção para execução de serviços externos inerentes às atribuições próprias do cargo que ocupa, efetivo ou comissionado, atestados pela chefia imediata.

Corrobora esse entendimento a não exigência de propriedade de qualquer veículo automotor ou afim para o exercício das atribuições do cargo de Auditor Fiscal do Trabalho, que sequer tem obrigação de ter habilitação para direção de qualquer tipo de veículo.

Dessa forma, o Auditor-Fiscal do Trabalho não possui nenhum dever de disponibilizar veículo próprio para o desenvolvimento das atividades da Administração. Pelo contrário, deve a Administração garantir meios de execução dos seus fins, condizentes com os princípios que a regem, previstos no art. 37, caput da Constituição Federal e no art. 2° da Lei 9.784/99.

A própria Convenção 81 da OIT, ratificada pelo Brasil, determina em seu artigo 11.1 que: “Art. 11 — 1. A autoridade competente tomará as medidas necessárias no sentido de fornecer aos inspetores de trabalho:

a) escritórios locais organizados de maneira apropriada às necessidades do serviço e acessíveis a todos os interessados; b) facilidades de transporte necessário ao exercício de suas funções quando não existirem facilidades de transporte público apropriado;” Evidencia-se assim que o Estado tem o dever de fornecer todas as facilidades necessárias para o exercícios das funções da inspeção do trabalho.

Nessa senda, é importante destacar que o transporte público não se mostra em regra instrumento adequado para o implemento da inspeção do trabalho. Não se ouvida da prerrogativa legalmente reconhecida aos Auditores Fiscais do Trabalho do passe livre, previsto no §5º do artigo 630 da CLT e artigo 34 do Decreto 4.552/02. No entanto, tal prerrogativa, em nenhum momento pode ser interpretada como obrigação do Auditor Fiscal do Trabalho em exercer suas atribuições através do transporte público.

Entretanto, o fornecimento de passe livre está longe de atender os já citados princípios que regem a Administração Pública, conforme será argumentando abaixo.

Da ineficiência do transporte público

A fiscalização realizada pelos Auditores Fiscais do Trabalho abrange vários municípios, independente da lotação, alguns com distâncias enormes entre eles, sem que haja transporte público regular, principalmente no que tange a fiscalizações rurais e em locais de difícil acesso.

Ademais, é cediço a situação de ineficiência do transporte público no país, não sendo diferente, ou até mais precário, em cidades do interior do Brasil.

Problemas crônicos como escassez de frota e elevada demanda, veículos em péssimo estado de conservação, manutenção e limpeza, não cumprimento dos horários, com esperas de horas em pontos de ônibus, dentre outros, são fatores que impossibilitam a utilização dos referidos meios de transporte para uma fiscalização pautada no princípio da eficiência.

Esse estado de ineficiência dos transportes público tornam sua utilização incompatível com a realização da fiscalização direta, tendo em vista que:

a) falta de segurança para o AFT (imagine a situação de depois de interditar/embarga, entregar inúmeros autos de infração, o AFT saí da empresa e fica esperando o ônibus passar;

b) falta de segurança para a documentação oficial e sigilosa da fiscalização e dos equipamentos do AFT (notebook, câmara fotográfica, pen drive, etc);

c) falta de segurança para a documentação da empresa (ex. em caso de necessidade de apreensão de documentos do empregador...), além de que esses documentos citados geram volume e peso incompatíveis com seu transporte manual;

d) afronta o princípio da eficiência (grande parte da jornada de trabalho destinada a espera de meio de transporte público coletivo);

e) a superlotação dos ônibus vai de encontro com meio ambiente de trabalho hígido;

f) incompatibilidade dos horários de disponibilização do transporte público com as atividades de fiscalização (art. 13, art. 15 RIT);

g) no caso de ações fiscais que demandam viagem com pernoite fora da cidade de lotação do AFT, soma-se a todo material funcional as roupas e pertences pessoais do servidor;
h) inviabilidade da procura e localização de empresas com endereços incompletos ou informados incorretamente;

Nesse sentido vale transcrever os artigos 13 e 15 do Regulamento de Inspeção do Trabalho, in verbis:
Art. 13. O Auditor-Fiscal do Trabalho, munido de credencial, tem o direito de ingressar, livremente, sem prévio aviso e em qualquer dia e horário, em todos os locais de trabalho mencionados no art. 9o.
Art. 15. As inspeções, sempre que necessário, serão efetuadas de forma imprevista, cercadas de todas as cautelas, na época e horários mais apropriados a sua eficácia. [grifos aditados]

Há, ainda, a questão da ausência de segurança dos servidores públicos federais ao utilizarem meios de transporte público para o desenvolvimento das suas atividades externas, conforme exposto abaixo.

Da ausência de segurança no transporte público

É de conhecimento de todos a grande quantidade de assaltos a ônibus em todo território brasileiro. Utilizaremos, como exemplo, o estado da Bahia pois os colegas já fizeram um estudo sobre tal tema.
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, no ano de 2014 ocorreram 2.188 assaltos a ônibus no Estado. Apenas no município de Salvador foram 1.492 (mais de quatro assaltos por dia) .

Na mesma linha indicativa da alta taxa de violência no Estado da Bahia, citamos o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência 2014, elaborado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, com o apoio da UNESCO. Todas as sedes de Gerências e mesmo Salvador figuram entre as cidades mais violentas do País: Eunápolis, 8º; Teixeira de Freitas 9°; Lauro de Freitas, 11°; Camaçari, 12°; Salvador, 20°; Barreiras, 22°; Feira de Santana, 23°; Ilhéus, 25°; Vitória da Conquista 40°; Juazeiro 53° .

O transporte público no Estado da Bahia tem sido alvo de freqüentes assaltos, de forma que exigir que o Auditor-Fiscal do Trabalho se utilize do mesmo no exercício da função é colocar em risco a integridade física da autoridade fiscal do Governo Federal, bem como o patrimônio público, em nítida violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e do interesse público, constantes do art. 2° da Lei 9.784/99.

Quadro agravante é a constatação de que o Estado da Bahia, soma, nos últimos 03 (três) anos, 05 (cinco) ameaças de morte a Auditores Fiscais do Trabalho, sem solução e indicação de autoria. Sabemos que esta é uma realidade da fiscalização em todo o Brasil e não somente um caso isolado.
Tal indicativo reforça o grau de perigo do exercício da atividade, pois confronta com interesses econômicos dos empregadores, quando da lavratura de autos de infração e termos de embargo e interdição. Some-se a isso histórico nacional da Chacina de Unaí e pelo menos mais 02 (dois) casos de agressões físicas consumadas a Auditores Fiscais do Trabalho.

Secundariamente, cabe salientar que o Auditor-Fiscal do Trabalho, ao se deslocar a um estabelecimento no exercício de suas atribuições, carrega consigo equipamentos e documentos públicos necessários ao desempenho das atividades.

Citamos entre os equipamentos funcionais fornecidos: notebook, impressora portátil, câmera fotográfica, e outros equipamentos de alto valor agregado. Ademais, porta itens pessoais também utilizados em fiscalização, normalmente smarthphones com acesso a internet.

Ainda, por vezes o transporte de documentos públicos é necessário, como por exemplo, processos com pedidos de levantamento de interdição. Além de, como já acima citado, conforme artigo 18, XII, do Regulamento de Inspeção do Trabalho, haver a possibilidade de, na verificação física, apreensão de documentos e equipamentos da empresa, os quais devem ser transportados de forma segura.

Do desvio de função

A condução de veículo próprio ou oficial pelo Auditor Fiscal do Trabalho como única opção para o desenvolvimento das suas funções laborais é expresso desvio de função e vai de encontro ao quanto determinado na Convenção 81 da OIT e no Regulamento de Inspeção do Trabalho – RIT.

Conforme art. 19, I, do RIT é vedado atribuir encargos diversos àqueles inerentes às funções dos Auditores Fiscais do Trabalho. Nesse sentido também dispõe o art. 3, 2, da supracitada Convenção Internacional ratificada pelo Brasil. Entretanto, a União, através dos seus gestores, impõe aos Auditores Fiscais a assunção das atribuições do cargo de motorista para o cumprimento das ações fiscais.

Imperioso destacar que, apesar de ser imprescindível para a execução de fiscalizações trabalhistas, a disponibilização de carros oficiais e condutor específico, a Administração Pública Federal optou por extinguir o cargo de motorista, de acordo com a Lei 9632/98, sem, no entanto, implementar qualquer alternativa para o exercício das atribuições do cargo extinto. Dessa forma, ao não disponibilizar qualquer opção para os servidores da fiscalização exercerem suas atribuições que não a utilização permanente de veículo próprio, a União está implicitamente atribuindo, em ofensa ao Artigos 19, I do RIT e 3º, 2, da Convenção 81 da OIT, a função de motorista aos AFTs.

Há, inclusive, a Nota Técnica 87/2015 da CGFIT/DEFIT/SIT/TEM, a qual dispõe expressamente que a condução de veículo pelo Auditor Fiscal é voluntária, além de ser inviável a utilização de meios de transporte público, nesses termos: “A utilização de transporte público é, também, inviável, por motivos que não necessitam de explanação”.

A referida Nota Técnica aponta pela legalidade da contratação de motoristas terceirizados como alternativa para suprir a sua extinção dos quadros da Administração Pública Federal.

Do enriquecimento ilícito do Estado

Inicialmente, a Administração Pública, apesar de se valer dos veículos particulares dos AFTs, sequer indeniza adequadamente esse gasto, promovendo verdadeiro enriquecimento sem causa do Estado.
Atualmente, a retribuição legalmente estabelecida é de no máximo R$ 17,00 por dia de deslocamento, conforme previsto no Decreto 3.184/99. Tal montante, que está congelado há 16 anos, evidentemente não é suficiente para reparar completamente seus servidores com os gastos inerentes a utilização de seu carro particular como despesas com combustível, estacionamento, manutenção, IPVA, DPVAT, seguro e depreciação.

Em estudo realizado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT, o valor necessário para reparação integral seria de R$ 120,00 por dia de utilização. Nesses termos, observa-se que o Estado descumpre nesse aspecto a Convenção 81 da OIT, que em seu artigo 11.2: “A autoridade competente tomará as medidas necessárias no sentido de indenizar os inspetores de trabalho de todos os gastos de locomoção e todas as despesas acessórias necessárias ao exercício de suas funções”.

Do Pedido

Diante do exposto, requeremos que sejam disponibilizados veículos oficiais com motorista para condução dos Auditores Fiscais do Trabalho, sempre que demandado, quando da realização de atividades externas.

No caso de a Administração restar impossibilitada de atender o pleito acima, requer que acate a recusa dos Auditores Fiscais do Trabalho de utilizar meios de transporte público, veículo próprio ou conduzir veículo oficial.

Texto extraído do site PETIÇÃO PÚBLICA: https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR89678

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