
O
ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, morreu na
tarde desta sexta-feira (17/2), em casa, aos 77 anos de idade, vítima de
um ataque cardíaco. Corrêa havia colocado um marca passo na última
terça-feira. Teve alta e voltou para casa com quadro bom. Na quinta, os
rins pararam de funcionar, o que causou a elevação na taxa de
potássio do ex-ministro e levou ao ataque que o vitimou.
O corpo
do ex-ministro será velado neste sábado (18/2), a partir das 10h, no
Salão Branco do Supremo Tribunal Federal. O presidente do STF, ministro
Cezar Peluso, lamentou a morte de Corrêa, em nome de todos os membros da
Corte, e enviou condolências à família.
Maurício Corrêa presidiu o
STF por quase um ano, de junho de 2003 a maio de 2004, quando se
aposentou compulsoriamente ao completar 70 anos. Foi nomeado para o
Supremo em outubro de 1994, pelo presidente Itamar Franco, depois de
servir ao seu governo como ministro da Justiça, na vaga decorrente da
aposentadoria de Paulo Brossard. Maurício Corrêa também foi ministro do
Tribunal Superior Eleitoral, órgão que presidiu entre 2001 e 2003.
Mineiro
de São João do Manhuaçu, formou-se em Direito em Minas Gerais em 1960 e
passou a advogar em Brasília no ano seguinte. Em 1986, foi eleito
senador. Participou ativamente da Assembleia Nacional Constituinte com a
apresentação de 459 emendas ao texto do projeto que se transformou na
Constituição Federal de 1988. Do total, 144 foram aprovadas.
O
ex-ministro foi vice-presidente da CPI que investigou as denúncias
feitas por Pedro Collor contra o irmão e ex-presidente da República,
Fernando Collor de Mello, e contra seu tesoureiro de campanha, Paulo
César Farias. Maurício Corrêa também foi presidente da seccional do
Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil por quatro mandatos,
de 1979 a 1986.
Na Presidência da OAB-DF, se tornou histórica sua
resistência à invasão da sede da entidade pelo governo militar. Na
ocasião, saiu de braços dados nas escadarias do prédio da seccional com
os advogados Sepúlveda Pertence (que também se tornou ministro do STF) e
Sigmaringa Seixas, entre outros, cantando o Hino Nacional, como forma
de protestar pelo ato autoritário. Nas palavras do presidente da OAB-DF,
Francisco Caputo, “foi, sem sombra de dúvidas, a maior liderança da
história da advocacia brasiliense”.
Em seu curto período como
presidente do Supremo, implantou a Rádio Justiça, que hoje auxilia a TV
Justiça na transmissão dos julgamentos da Corte e na divulgação do
noticiário jurídico. Também teve um embate com o então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva na defesa da prerrogativa de juízes, como a
aposentadoria integral, por exemplo.
Virada no Supremo
Maurício Côrrea teve uma papel decisivo no antológico julgamento que
tomou curso no Supremo Tribunal Federal entre dezembro de 2002 e
setembro de 2003, e que condenou o editor de livros gaúcho Sigfried
Ellwanger pelo crime de racismo contra judeus. O julgamento se estendeu
por nove meses e é considerado um dos mais polêmicos na história recente
do STF.
Ellwanger foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul pela edição e venda de livros de conteúdo que faziam
apologia de ideias racistas contra judeus. O editor publicou, entre
inúmeros outros, os livros “O Judeu Internacional”, “Holocausto Judeu e
Alemão” e “Hitler, culpado ou inocente?”. O editor acabou condenado a
dois anos de reclusão, mas os recursos levaram o caso até o Supremo
Tribunal Federal.
No STF, em dezembro de 2002, ao levar o caso ao
Plenário, o ministro Moreira Alves votou pelo concessão do Habeas
Corpus, argumentando que os judeus não podiam ser considerados uma
“raça” em si. Dessa forma, Alves insistiu que os atos do editor não
poderiam ser qualificados como delito de racismo.
Coube então ao
ministro Maurício Côrrea abrir a divergência, ao apresentar pedido de
vista, no que iria se converter em um dos grandes momentos da alta corte
brasileira. Em abril de 2003, Côrrea voltou com o caso ao Plenário,
questionando a “interpretação semântica” formulada por Alves com base no
artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal. Côrrea demonstrou,
para tanto, que o conceito de racismo excedia a mera distinção entre
tipos étnicos. Citando descobertas na área da genética, Maurício Côrrea
argumentou que o conceito de etnia envolvia uma complexa gama de fatores
que se desdobravam em incalculáveis contextos sociais e políticos.
Em
junho daquele ano, o Habeas Corpus voltou a ser julgado já com Joaquim
Barbosa no lugar de Moreira Alves. Porém, somente em setembro, depois de
envolver um intenso debate sobre liberdade de expressão, o STF viria a
confirmar a condenação do editor Siegfried Ellwanger, imposta
originalmente pelo Tribunal de Justiça do RS.
O voto de
discordância de Côrrea foi decisivo para sedimentar o entendimento da
maioria de seus colegas que a prática de racismo abrangia a
discriminação contra os judeus.