terça-feira, 26 de setembro de 2023

O uso do WhatsApp para citações e intimações


A implementação do Domicílio Judicial Eletrônico seguirá um processo gradual e obrigatório para as empresas

Por Hugo Filardi e Diogo Ayres

A recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial nº 2.045.633-RJ, reacendeu o debate sobre a aplicabilidade do princípio da finalidade das formas em casos de comunicações realizadas através de aplicativos de comunicação para fins de citação e intimação das partes no decorrer da marcha processual.

Atualmente, a comunicação via aplicativos tornou-se ubíqua, abrangendo aspectos profissionais, familiares e comerciais. No entanto, em casos de citações e intimações que possuem forma prescrita em lei, a utilização desses aplicativos suscita questões legais complexas, especialmente quanto a deficiências e riscos.

Por exemplo, os dois tracinhos de confirmação de leitura do WhatsApp seriam suficientes para configurar a ciência inequívoca da citação ou intimação? E caso os usuários desabilitem a confirmação de leitura, estariam inalcançáveis pelo princípio da finalidade das formas? E se a mensagem for lida por um terceiro e não pelo destinatário?

Vamos além, em um cenário hipotético onde ocorram simultaneamente múltiplas tentativas de citação, uma por meio do WhatsApp e outra por um Oficial de Justiça, caso a parte citada venha a apresentar contestação, tal protocolo de defesa teria o condão de validar a citação realizada via WhatsApp, considerando que esta atingiu o propósito de informar a parte sobre o processo, ou seja, de acordo com a decisão que aqui analisamos, a citação “atingiu o seu objetivo (dar ciência inequívoca a respeito do ato que se pretende comunicar).”

Ainda no mesmo contexto, supondo que a apresentação da contestação seja feita dentro do prazo originado pela citação via Oficial de Justiça, mas após o término do prazo da citação via WhatsApp, a apresentação da defesa teria validaria a primeira citação e, por conseguinte, potencialmente resultaria na intempestividade da contestação?

De acordo com a recente decisão do STJ, a validação da citação via WhatsApp poderia ser sustentada, uma vez que o citado tomou conhecimento inequívoco do processo, e compareceu aos autos, em conformidade com o voto da relatoria. Ainda que não tenha sido observada forma específica prevista em lei, a forma não pode se sobrepor à efetiva cientificação do que indiscutivelmente ocorreu. A Lei nº 14.195/2021 promoveu alterações significativas no artigo 246 do CPC, tratando da viabilidade da citação por meios eletrônicos, mais especificamente por meio de e-mails com um processo detalhado para a confirmação e validação dos atos comunicativos, presumindo a existência prévia de um banco de dados complexo que contenha os endereços eletrônicos das partes sujeitas à citação.

No entanto, é importante ressaltar que essa legislação se concentrou exclusivamente na citação dirigida a um endereço eletrônico, não abordando comunicações realizadas por aplicativos de mensagens. A lacuna existente nesse âmbito demanda abordagem mais abrangente que contemple os diversos métodos de comunicação digital atualmente utilizados, a fim de estabelecer um arcabouço legal completo e adequado às realidades tecnológicas vigentes, de modo a afastar a insegurança jurídica advinda por meio da decisão proferida no julgamento do Recurso Especial nº 2.045.633.

Diante desta decisão, as empresas enfrentam considerável exposição, uma vez que são frequentemente demandadas em tribunais de todo território nacional e possuem múltiplos canais de comunicação à disposição.

Visando mitigar essa insegurança, o CNJ instituiu, por meio da Resolução 455/2022 e da Portaria 129, de 12 de maio de 2023, o conceito de Domicílio Judicial Eletrônico, iniciativa que estabelece um endereço virtual para comunicações processuais, citações e intimações dirigidas eletronicamente a pessoas jurídicas e físicas.

Entre as diversas vantagens desse domicílio eletrônico para empresas, destacam-se o acesso centralizado às comunicações processuais de todos os tribunais brasileiros, ferramentas de consulta e confirmação de recebimento das comunicações, acesso integral às comunicações e a capacidade de ativar notificações por e-mail para cada comunicação emitida.

A implementação do Domicílio Judicial Eletrônico seguirá um processo gradual e obrigatório para as empresas, com cronograma específico conforme os grupos de destinatários. Neste momento, o período é direcionado ao cadastro de instituições financeiras, e, posteriormente, se abrirá um prazo para demais instituições, privadas e públicas.

Simultaneamente, diversas cortes estão avançando no cadastramento de empresas em seus bancos de dados, visando a realização de citações e intimações eletrônicas através dos portais eletrônicos. Esse procedimento proporciona segurança e reduz a possibilidade de perdas processuais relacionadas a comunicações efetuadas por meio de plataformas de mídia social.

Ainda que os tribunais e o CNJ não compartilhem uniformidade completa no processo de cadastro, existem critérios similares que devem ser atendidos para garantir mais segurança às empresas: 1) Utilização de Certificado Digital de Pessoa Jurídica; 2) Apresentação de documentação específica; 3) Presença do representante legal da empresa nas dependências correspondentes; 4) Designação de representantes autorizados para utilizar o portal; 5) Fornecimento de informações para fins de registro; 6) Inscrição de todas as filiais da empresa; 7) Inclusão de empresas coligadas; e 8) Atualização contínua dos dados.


Hugo Filardi e Diogo Ayres são, respectivamente, sócio e advogado do SiqueiraCastro Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

InfoJus Brasil: com informações do Jornal Valor Econômico

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