Artigo da colega oficial de Justiça e vice-Presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do Pará (SINDOJUS/PA), Asmaa AbduAllah, que fala sobre a Ética e a Transparência na Atividade Sindical, assunto oportuno nos dias atuais e de grande importância para toda a sociedade brasileira.
Breve reflexão sobre a Ética e
Transparência na Atividade Sindical
Asmaa AbduAllah[1]
O presente texto
não visa esgotar o tema e seria impossível fazê-lo nas poucas linhas que
escrevemos, porém meramente para reflexão acerca desses dois valores, ética e
transparência, que devem envolver o cotidiano laboral dos Dirigentes Sindicais.
Também não discorreremos sobre a história sindical e sua origem, tema este já
bem debatido, sendo aqui suficiente ressaltar que no Brasil, os Sindicatos tem
cunho Constitucional, e no tocante aos Direitos Sociais, estão bem difundidos
no Art. 7º da CF, assim como, tem garantia prevista pelo Art. 5º do texto da
Magna Carta.
Durante muitos anos, mesmo após o evento da Constituição
Federal de 88, os Sindicatos foram sufocados, quer seja pelo “poder” patronal,
quer seja pelo próprio Poder Público. Sindicalistas, não raro, eram/são tidos
como baderneiros, e tornavam-se “personas
non gratas”. Não vemos muita mudança nesse quadro de visão, retrograda,
contudo em alguns setores do Serviço Público, vemos Categorias e Classes de
Trabalhadores que ora se organizam através de aglomeração sindical, com intuito
de garantir direitos trabalhistas já positivados, ou buscar a positivação e/ou
reconhecimento de novos e fatídicos direitos.
Em que pese a
criação de um Sindicato ser, ou dever ser, interesse geral da Categoria que
será, ou deverá ser por ele representada, no Brasil, imoralmente ainda ocorrem
criações de Sindicatos cuja identidade sequer é conhecida pela sua base,
permanecendo dessa forma como “sindicato de gaveta”, até o dia que em que,
grande parte da sua base, é surpreendida pelo malfadado imposto sindical, que
todos sabem, corresponde à um dia de trabalho, no decurso do lapso temporal de
um ano.
Mas, o que dizer
que dizer do comportamento da Direção Sindical que se mantém no anonimato, sem
dar conta aos seus pares, acerca da existência do Sindicato ? Como nominar o
comportamento de Diretores que atuam dessa forma ? Qual é o comportamento que a
base sindical, no qual seus pares figuram como Gestores da Entidade de maior
importância para o trabalhador, esperam
? O Que é um comportamento Ético ?
A prática
antissindical é comportamento que fere a ética ? O “sindicato de gaveta”, não
figura sozinho como autor da prática antissindical, outras lesões contra o
trabalhador, que também são motivo de descrença na força e importância dos
Sindicatos, a falta de transparência das
atividades sindicais e das finanças da entidade, que muitas vezes são um
verdadeiro mistério, sem prestação das contas de forma apropriada. Não dar
ciência, ou fazê-lo de forma intencional, através de veículos e meios que
certamente o maior interessado não alcançará tal prestação de contas, pode ser
denominado como conduta antissindical, por parte dos Diretores Sindicais ? É
ético e moral não prestar contas àqueles que pagam as contas ?
Questões dessa
ordem, nos levam diretamente à reflexões sobre a Ética e a Moral no tocante ao
exercício da Atividade Sindical. O Gestor Sindical tem atuação em prol da
coletividade e por vias de eleições se propôs à representação, logo aceitou a
subordinação que a atividade requer: Transparência e Ética, dois valores intrínsecos
que são obrigatórios a serem adotados por toda e qualquer pessoa que esteja
atuando em condomínio.
A Ética e a Moral
O estudo da ética
remonta à Aristóteles, mas até os dias atuais é discutida em todas as Entidades
com clamores para a sua aplicabilidade. Filósofos, Operadores do Direito,
Professores, dentre outra categorias, apelam para a aplicação diária da tão
famosa ética, em todas as relações humanas.
Mas o que é a ética ? e o que é a
moral ? Ética e moral são diferentes ? O que é comportamento ético ?
Após estudos
realizados acerca de moral e ética, nas compilações de vários autores,
concluímos que, a moral representa um conjunto de valores de uma sociedade, ou
comunidade, e que ela é imposta, acarretando consequências óbvias que todos
devem saber, a não adoção importa à base de uma punição. De outra banda, a
ética reflete os valores morais, questionando-os, e baseia-se na arte do viver:
“buscai as virtudes”. Assim, a ética
restabelece a moral, de maneira questionadora, buscando uma forma virtuosa do
bem viver e garantindo a renovação da moral. Nesse passo, entendemos que ética
é o aperfeiçoamento inovador da moral, porém mantendo a moral dentro de outro
viés que não tem o condão de desvirtuá-la, mas sim de adequá-la e aperfeiçoá-la
no tempo, resguardando a sua essência.
Na teoria Kantiana,
observamos a criação de imperativos categóricos que são condições necessárias
para o desenvolvimento da ética. Um exemplo: logicamente sabemos que as escolas
não ensinam uma pessoa a ser ética, mas despertam a pessoa ao desenvolvimento
individual da ética nas suas relações pessoais, diante dos valores sociais
impostos.
Dentro dos
princípios básicos Kantianos, é fácil observar que as pessoas que atuam levando
em consideração os procedimentos da boa ética, põem o dever acima da sua felicidade.
E entendemos ser preciso por o dever acima da felicidade própria, eis, pois,
que a felicidade é fulgaz e, com o passar do tempo, se desvanece no ar. Quando
construímos algo em cima do dever, aí sim teremos uma base sólida para nos
sustentarmos nos nossos posicionamentos e entendimentos, porém para que isso
aconteça, é necessário entender que o ser humano é finalidade e não meio, razão
pela qual ninguém deve usar as pessoas em prol de sí mesma como um meio para
atingir um objetivo, seja ele qual for, pois é antiético usar as pessoas
pensando em sí mesmo, ou seja, se nos propusermos a ajudar o próximo devemos
fazê-lo pensando no próximo, ou seja, na outra pessoa, no nosso semelhante, nos
nossos pares e não em nós mesmos, ou, pelo menos, não apenas em nós mesmos.
Esse é o pensamento
norteador da ética Kantiana que podemos correlacionar com a atividade sindical,
pois quando nos propomos a exercer a atividade sindical, devemos fazê-lo por
estamos embuídos do desejo de ajudar o nosso próximo a garantir aquilo que lhe
é de direito. Atuando dessa forma estar-se-á atuando baseado em pressupostos
éticos e morais.
Passeando por
Aristóteles, em Ética a Nicômaco, observamos que este Filósofo nos induz à
virtude mediana, ou seja, orienta a sempre seguir o caminho do meio e não se
perder nos opostos, pois em que pese a felicidade ser um bem supremo, o caminho
do meio é o caminho do equilíbrio e para Aristóteles esse é o princípio que
deve ser seguido, logo não podendo a pessoa tomar um caminho oposto ao mediano,
para assim garantir os seus interesses pessoais, pois a felicidade como uma forma de viver bem,
também deve ser praticada como forma de conduzir-se bem, logo com ética.
Por essa razão a
ética é o questionamento filosófico sobre os valores morais de cada tempo e que
leva a modificação de alguns desses valores na busca de se superar, pois a
ética é o caminho da liberdade, assim o Gestor Sindical deve utilizar seu cargo para defender os interesses da
categoria, mas nunca vantagens pessoais. Esconde a existência da máquina
sindical de uma categoria oprimida pelo Poder Patronal, é atitude antiética e
imoral, mormente quando a base da máquina sindical passa a ser mais oprimida
ainda, com o “saqueamento” do imposto sindical, sem retorno através de benefícios
para melhoria do trabalho e melhoria remuneratória.
Fernando Savater,
Filósofo espanhol, fala que a moral diz respeito aos nossos comportamentos
concretos, aquilo que nos fazemos e julgamos certo e errado, bom e mau; normas
que seguimos e valores que adotamos diariamente. “Moral é o comportamento
concreto”. Para ele, a ética é uma filosofia, ciência ou arte que tenta
explicar a razão dos valores morais. A ética está por detrás da moral e explica
os valores morais que nós seguimos e se estão certos ou errados, ou seja, se o
que seguimos relativo a nossos costumes, tradições e tabus, eticamente estão
mal ou bem, certo ou errado.
Ora, o
comportamento social moderno trás à tona na atualidade, a responsabilidade
social coletiva, a ética e a transparência nos assuntos coletivos, e a
obrigatoriedade dessa transparência se inicia dentro do Poder Público, em
especial quando nesses assuntos coletivos estão envolvidos orçamentos, custos,
pagamentos, entrada e saída de dinheiro em caixa.
Ora, uma entidade sindical
é uma espécie de condomínio pertencente aos integrantes da sua base razão pela
qual seu patrimônio e caixa, devem ser do conhecimento dos condôminos, sendo
dever dos Diretores Sindicais a prestação de contas com clareza e
transparência, a todos os trabalhadores independentemente de o trabalhador ser
filiado ou não ao Sindicato, pois esse direito, de tomar conhecimento, através
da prestação de contas lhe é conferido a partir do momento em que,
compulsoriamente, o trabalhador contribui com o valor que aufere com um dia de
seu trabalho, de sua mão-de-obra despendida. Até pensamos ser admissível que
esse direito não alcança trabalhador não filiado quando o Sindicato não aufere
valores decorrentes de imposto sindical.
Como em quase tudo
que embasa direitos, obrigações e deveres encontramos princípios norteadores, e
ainda em razão da atividade sindical ter cunho constitucional e a Constituição
nos arremessar à obrigatoriedade da transparência, apontamos o direito de
informação, reconhecido internacionalmente como um princípio e como um direito
humano fundamental perfeitamente se adequada como inferência à transparência
plena sindical, já que o trato sindical é coletivo, e torna-se claro, que
omissão da informação é comportamento antiético praticado pela Direção Sindical
que eventualmente se omita em prestá-la.
A transparência tem
dois vetores, um ativo e um passivo. Transparência Ativa
refere-se à publicação proativa de informações, sem necessidade de
solicitação. A Transparência Passiva diz respeito a mecanismos e procedimentos
que garantem a recepção das solicitações e viabilidade das respostas imediatas.
O uso da tecnologia moderna é o vetor da transparência.
Uma Entidade
Sindical não pode alegar falta de meios para publicar suas contas clara e transparentemente,
uma vez que a tecnologia da informação e comunicação disponibiliza ferramentas
virtuais grátis, que podem ser usadas para tanto. Logo, é dever ético do Gestor
Sindical adotar a transparência ativa, pois na era tecnológica que vivemos, não
há razão que justifique a obscuridade dos cofres sindicais, razão pela qual a
transparência é dever ético que deve ser imposto aos Gestores Sindicalistas.
É dever moral e
ético do Diretor Sindical prestar contas e é Direito do Trabalhador exigir a
prestação de contas, esse é o comportamento ético que embasa ambas as condutas,
quais sejam a de pedir e a de prestar contas, pois nesse caso, o sustentáculo
da ética é a transparência na “coisa comum”.
Não há como fugir
que a transparência é o pilar principal que chancela as ações morais e
responsáveis daqueles que gerem os sindicatos e qualquer movimento dentre os
integrantes da Categoria, é legal, pois não há justificativa que sustente a uma
Direção Sindical omissa na prestação de suas contas, já que o caixa existente,
repetimos: é condomínio da Categoria.
Conclusão
A ética e a
transparência desenvolvidas e aplicadas dentro do ambiente do trabalho
proporcionam o exercício diário e prazeroso de valores como o da honestidade, o
do comprometimento no trato coletivo, o da confiabilidade dispensada e
adquirida, o da valorização do ser humano.
Se o Estatuto de
uma Entidade não coaduna com a Lei de forma a levar uma Direção Sindical a
portar-se de maneira antiética e imoral, claro está que este Estatuto deve
sofrer as alterações necessárias para permitir um comportamento ético e
transparente daqueles que gerem a coisa comum, e se há resistência na
alteração, há que investigar o que e a quem se quer proteger uma vez que a
Entidade está para o trabalhador e não o contrário disso.
Convém ressaltar
que a responsabilidade dos Diretores Sindicais é solidária e atinge à pessoa do
Gestor Sindical, caso seja acionada a justiça e o Ministério Público, para
apuração e processamento de possíveis prejuízos ao trabalhador acarretados pela
inércia do Sindicato, que provoque, dentre outras coisas lesões à dignidade da
pessoa humana, a dignidade e democracia social do trabalho, ao exercício da
democracia e Justiça Social no âmbito das relações de trabalho.
É condição sine qua non, para o bom desempenho da
atuação de um Sindicato, que tanto sua Diretoria, quanto a sua base, sigam os
padrões éticos e transparentes e tenham posturas congruentes com o que buscam
garantir à coletividade trabalhista, porque a igualdade se reflete no plano
coletivo e o Sindicato certamente conforme já mencionamos existe exclusivamente
para proteger o trabalhador dentro das relações trabalhistas já que ele (o
trabalhador) está em plano de desigualdade com o patronal, razão pela qual a base
de um sindicato deve participar ativamente da gestão, apontando as prioridades
e os pleitos que devem ser desenvolvidos em prol da Categoria.
É inconcebível que
o trabalhador tenha empreendido, no passado, luta para garantir a existência da
entidade sindical para assim se fazer representar e atualmente o trabalhador
tenha que empreender luta contra a sua representatividade sindical em virtude
do apossamento, por parte de seus pares e a supressão que estes causam a
entidade sindical, comportamento este antiético, imoral, sem transparência e
antissindical, este último certamente, palco de crime contra a dignidade do
trabalhador, da democracia do trabalho e da justiça social tão defendidas pelas
Legislações nacionais e internacionais, que visam a proteção do trabalho e do
trabalhador com enfoque na dignidade da pessoa humana.
Postas essas
digressões, inspirada no Chefe Seattle, digo: “O
homem não tece a teia da vida; ele é apenas um fio. Tudo o que faz à teia, ele
faz a si mesmo”. E como disse Thomás D’Aquino “ Não se opor ao erro é
aprová-lo. Não defender a verdade é negá-la”.
REFERÊNCIAS
Autor: Aristóteles. Tradutor: GUIMARÃES, Torrieri.
Ética a Nicômaco. Ed. Martin Claret, 2002.
SAVATER, Fernando, Ética para meu filho, Ed.
Planeta Brasil, 2005
http://afilosofia.no.sapo.pt/12KantIntrod.htm, acesso 08/06/2014
Constituição
Federal do Brasil de 1988;
Normatizações da
OIT;
CLT.
[1]
Asmaa AbduAllah, {Mulçumana},
Oficial de Justiça Avaliadora do Tribunal de Justiça do Estado do Pará,
atualmente no exercício da Atividade Classista no Sindicato dos Oficiais de
Justiça do Pará - SINDOJUS-PA, no cargo de Vice-Presidente; Bacharela em
Filosofia, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Religiosas/MA/Universidade
Estadual do Ceará – UECE em 2002; Bacharela em Direito, pela Universidade da
Amazônia – UNAMA em 2007, com aprovação no Exame da OAB/PA em 2008;
Especialista em Processo, pela Universidade Sul de Santa Catarina – UNISUL em
2009; Curso de Formação Profissional em Avaliação de Imóveis e Atuação em Juízo
do Avaliador, pelo Diário das Leis Cursos, do Estado de São Paulo/SP, concluído
em agosto de 2010. Duas extensões universitárias pela Rede de Ensino Luiz
Flávio Gomes – LFG e um pela Faculdade de Belém – FABEL; curso concluído de
atualização em Direito Civil pela Escola Superior da Magistratura do Estado do
Pará; Curso Regular de Preparação à Magistratura Federal, pela Escola dos
Juízes Federais do Rio Grande do Sul – ESMAFE, em Porto Alegre/RS concluído em
2011; Curso de Extensão Universitária na Modalidade Difusa: Integração de
Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes
de Drogas, ministrado pela USP, Faculdade de Medicina, concluído em abril de
2013. Atualmente doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade
del Museo Social, Argentina/Buenos Aires.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: