quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Violência contra oficiais de justiça se multiplicam em realidade social polarizada e de crise


Colegas ouvidos pela reportagem e dirigentes do Sintrajud apontam percepção de mais violência no cumprimento das funções; Sindicato presta apoio e solidariedade aos colegas e cobra políticas institucionais de preservação da integridade dos trabalhadores.

Nos últimos 15 dias ao menos três agressões a oficiais de justiça avaliadores federais da Justiça do Trabalho no desenvolvimento das atividades funcionais foram registradas no estado de São Paulo. Em 22 de julho, a oficiala de justiça servidora do TRT-2 Júlia Cristina Santos Fonseca sofreu agressões físicas e verbais no cumprimento de um mandado de imissão de posse no bairro nobre do Pacaembu, no meio da tarde. Também oficial do TRT-2, Silvio Malvásio é uma das mais recentes vítimas. O servidor foi alvo agressões verbais, ameaças e chegou a ter a pasta de documentos arrancados das mãos durante o cumprimento de um mandado no dia 30 de julho em outra região de classe média da cidade, o bairro Nova Piraju (próximo ao aeroporto de Congonhas). O marido da empresária que deveria ser notificada foi o autor das violências.

A reportagem do Sintrajud conversou com o colega e com outros oficiais sobre como a realidade social tem aprofundado as dificuldades enfrentadas pelo segmento no exercício profissional, e sobre a necessidade de desenvolvimento de políticas de preservação da integridade e segurança desses servidores.

A violência contra oficiais durante diligências “sempre houve, já fui revistado sob a mira de arma em favelas, mas o que a gente percebe, não sei se é o momento em que estamos vivendo, é que as pessoas realmente estão mais agressivas. Muitos falam ‘Ah, a Justicinha do Trabalho’. Já ouvi que o presidente da Câmara [dos Deputados] disse que a Justiça do Trabalho tem que acabar, que o presidente [da República] vai acabar com ela. E eu ando numa região de alto padrão, mas ainda assim ouço isso”, relata Silvio.

O oficial foi ameaçado em um edifício residencial “daqueles com sacada, não é um predinho”, relata. O servidor já havia comparecido ao local por cinco vezes, sem sucesso em encontrar a parte, quando no último dia 30 voltou ao endereço por volta das 21 horas, conforme informação obtida junto à portaria do prédio de que seria mais fácil que a pessoa a ser citada estivesse em casa.

“O Tribunal deveria nos dar formação em segurança pessoal, porque mesmo com a política do acompanhamento, muitas vezes somos pegos de surpresa. A gente nunca sabe o que vai acontecer para demandar previamente apoio de segurança antes da diligência. Não tem como sabermos como a pessoa vai nos receber. A sociedade está violenta, e agora uma parcela da sociedade está contra a Justiça do Trabalho, muitas empresas estão quebrando. Tudo isso leva a situações mais comuns de agressividade. Às vezes a gente compreende que a pessoa está numa situação difícil, nervosa, estressada, mas acaba se refletindo na gente, que é a linha de frente. Às vezes os reclamados estão com raiva da situação e descarregam, descontam em nós, porque somos a face da justiça no local. A pessoa age contra nós, que não estamos só nos fóruns, onde há detectores de metais, agentes de segurança, todo um respaldo. E quando você vai num lugar que tem o tráfico, por exemplo, sabe que pode encontrar alguém armado, mas num prédio de alto padrão você não espera ser recebido com violência”, pontua Silvio.

“Em tempos de disseminação de ódio, culto às armas de fogo, ausência de reais políticas para a saída da crise econômica está mais delicada e perigosa a atividade do oficial de justiça. O fato de trabalharmos sozinhos nos expõe perigosamente todos os dias. Nossa atividade é de risco sim, de muito risco, esse reconhecimento não veio pelos iluminados do STF. Nos resta continuar pressionando os parlamentares que estão muito próximos de nos fazer trabalhar ainda muito mais anos até alcançar a merecida aposentadoria”, destaca a diretora do Sintrajud e oficiala aposentada Lynira Rodrigues Sardinha, referindo-se à luta dos oficiais pela aprovação de um projeto de lei que assegure ao segmento aposentadoria especial.

O Sintrajud tem cobrado em diversas reuniões com a Administração do TRT-2 políticas efetivas de preservação da segurança dos oficiais, além da reversão de todas as alterações instituídas pelo Ato 5. A presidência do Tribunal, no entanto, resiste em atender as demandas do segmento. O Sintrajud também cobra que seja melhor divulgada a possibilidade de registro dos casos de violência sofridas no exercício da função e que seja elaborado um banco de dados com informações sobre os casos de violência, entre outras medidas de segurança que avancem no sentido de uma política institucional de prevenção e atenção aos servidores.

Procedimentos de trabalho equivocados e falta de políticas de enfrentamento à violência

Os oficiais de justiça avaliam que a determinação da Corregedoria para que a citação seja feita pessoalmente à parte – sem uma política de formação para auto-defesa, sem apoio policial ou de agente de segurança no cumprimento do mandado – contribui para as situações de violência contra os servidores. Até 2018, era possível formalizar a citação por meio de advogado, funcionário da empresa ou da residência da parte ou porteiro do edifício residencial ou comercial. A súmula 16 do Tribunal Superior do Trabalho inclusive estabelece que é presumida a notificação pela via postal 48 horas após a postagem.

Outro questionamento de procedimentos de trabalho feito pelos oficiais é resultado do Ato GP 5/2017. Desde o ato, com o aumento do número de aposentadorias, pressionado para cima também em razão das ameaças às regras previdenciárias, e a redução do quantitativo de oficiais na Central de Mandados dada a lotação de servidores nas varas, à violência soma-se a sobrecarga de trabalho, que também aumenta o stress psicológico. Os oficiais vêm sendo obrigados a cumprir uma grande quantidade de mandados. Alguns colegas chegam a cumprir em média 200 mandados mensalmente, incluindo todos os mandados físicos, e muitos exigem citação a várias pessoas.

No caso específico em que ocorreu a violência contra Silvio, a citação só foi possível com apoio da Polícia Militar. “O cidadão estava alterado e foi agressivo até mesmo com os policiais”, relata o servidor. “Antes da polícia chegar eu tinha ficado encurralado naquele vão que chamam de clausura, entre a entrada do edifício propriamente dita e a saída para a rua. Se ele realmente partisse para a luta corporal eu não teria nem como sair”, contextualiza. Para evitar o confronto e possíveis consequências, Silvio saiu do prédio e só retornou após a chegada da equipe da Força Tática, integrada por três policiais.

Outro procedimento que deveria ser estabelecido como padrão seria uma política de preservação da integridade de oficiais já ameaçados por uma parte. Muitas vezes, especialmente em execuções envolvendo empresas no pólo passivo, o servidor que executa o mandado é obrigado a retornar diversas vezes ao mesmo local, inclusive depois de já ter sido constrangido, ameaçado ou agredido. “O mínimo que deveria ocorrer seria haver a possibilidade de trocar o colega que faz a diligência num lugar onde já houve agressão, para não expor novamente o servidor a violência”, aponta a oficiala de justiça e diretora do Sintrajud Cláudia Morais. Obviamente, tal política não poderia impor compulsoriamente a designação de outro oficial e qualquer colega deveria ser previamente avisado de que já houve ocorrência de violência no local, além da garantia de apoio de segurança à diligência.

O PJe (processo judicial eletrônico) também dificulta o planejamento do trabalho dos oficiais, que muita vezes recebem determinação de execuções urgentes no mesmo local em dias seguidos.

Morte em Dracena

Nesta terça-feira (6 de agosto) um ex-policial militar aposentado foi morto em troca de tiros com dois PMs que acompanhavam a oficiala de justiça da 15ª Região Priscila Rios na execução de uma carta precatória na cidade de Dracena. Um dos policiais que acompanhavam a oficiala foi baleado na mão.

A diretora do Sintrajud Cláudia Morais ressalta que “o caso [como um todo é] um horror. Primeiro, pelo fato de o executado mais uma vez já se sentir à vontade para agir violentamente frente a uma ordem judicial e atacar um servidor que estava apenas trabalhando, e também o arrematante. E tenebroso que a polícia matou essa pessoa. Foi um estrago atrás do outro. Até onde iremos? Essa possibilidade de qualquer um estar armado só pode descambar nesse tipo de situação”, registra.

A direção do Sindicato tem cobrado em diversas reuniões com a Administração políticas efetivas de preservação da segurança dos oficiais, além da reversão de todas as alterações instituídas pelo Ato 5. A presidência do Tribunal, no entanto, resiste em atender as demandas do segmento.

A diretoria do Sintrajud manifesta irrestrita solidariedade aos colegas vítimas de violências, e ressalta que o Jurídico do sindicato está à disposição para o acompanhamento dos casos e cobrança de providências.

Fonte: Sintrajud

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