Essa é mais uma daquelas curiosas histórias que acontecem até com
certa recorrência no dia a dia dos Oficiais de Justiça, não pelo fato em
si, mas por ser inusitada.
Ás onze horas da manhã de uma quarta feira fria toquei o interfone do condomínio fechado e logo fui atendido pelo porteiro:
“Pois não, Cidadão”
Pejorativo, não? Mas, já estamos acostumados, isso é outra história. O consolo é que qualquer um que tocasse seria também um “Cidadão Pejorativo”
“Bom dia, casa 07, por favor. Gostaria de falar com o senhor Fulano de Tal”
“Podem entrar sinhô, a casa 7 tem interfone não...”
Entrei e caminhei a passos rápidos embalado por uma fina garoa que caia. Não pude deixar de pensar, durante o curto trajeto, na segurança dos condomínios por ai afora: como fora fácil entrar ali.
Assim que cheguei notei que a casa também não possuía campainha.
Toc, Toc, Toc
Abriu a porta uma senhora morena de meia idade com olhos de sono e movimentos lentíssimos:
“Pois não”
“Bom dia, Por gentileza, meu nome é Valter, sou Oficial de Justiça e procuro Fulano de Tal, a senhora o conhece?”
A feição da mulher mudou radicalmente em fração de segundos, como se um choque de 220 volts a sacudisse.
“Oficial de Justiça???? Meu Deus, o que ele fez?”
“A senhora o conhece? Ele mora aqui?”
“Ele é meu enteado, o pai dele está dormindo... vou chamar”
“Tudo bem senhora, eu aguardo”
Apenas três minutos mais e surge no alto da escada, vindo do pavimento superior um senhor com cerca de 60 anos, com a mesma feição sonolenta com a qual a mulher se apresentara, mas já com movimentos rápidos e nervosos.
“O que foi que meu filho fez?” perguntou ele ainda ajeitando sua calça e procurando acertar o braço na manga da camisa que teimava em escorregar.
Com a dispensa das formalidades que a urgência, por parte daquela família, pedia segui discorrendo sobre o teor do mandado. Era uma citação na qual o filho daquele senhor era chamado a apresentar sua defesa da acusação de depredar o patrimônio publico.
O tal “Fulano de Tal” havia emprestado a maestria de sua arte aos bancos de uma composição do metrô, nos quais gravou com o auxilio de um instrumento cortante, seu apelido em letras grandes. No entanto os seguranças do metropolitano, me parece que não mostraram sintonia com aquela explosão de talento, resolveram conduzir o senhor “Fulano de Tal” a um Distrito Policial, no qual sua manifestação artística se transformou em um inquérito policial que ao chegar ao Fórum ganhou Status de Processo.
Durante minha explicação notei que o senhor fora transformando o seu nervosismo e irritação iniciais em tristeza e decepção. Ouvia a tudo quase calado, perguntando detalhes daqui e dali:
“O senhor sabe que dia foi isso? E que horas?
“Tem identificação da composição?”
Quando terminei, ele apenas me disse que não deixaria seu filho sair no dia seguinte e gostaria muito que eu entregasse a ele pessoalmente o “ofício” que trouxera. Lamentou muito pelo ocorrido, pediu desculpas por estar dormindo àquela hora, justificando que trabalhara a noite toda e que seu trabalho era muito árduo e difícil e que há mais de vinte anos trabalha com manutenção no horário da madrugada. Por fim pediu a sua esposa que buscasse seus documentos e mostrou a mim sua carteira funcional, onde mostrava que ele era Funcionário do Metrô de São Paulo:
“Há vinte anos trabalho a madrugada toda consertando bancos que são depredados durante do dia”, disse ele com profunda tristeza.
Autor: Valter Lima
(autor do texto e não da depredação...)
Fonte: ASSOJASP
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