sábado, 20 de outubro de 2012

Oficial de justiça, elo frágil do Judiciário

 

Desprotegidos

Diante de câmeras de TV que transmitiam o fato ao vivo, oito horas se passaram até Fernando Gouveia, de 32 anos, render-se, na tarde de quinta-feira, no bairro da Aclimação, no centro de São Paulo. Portador de distúrbios psiquiátricos, ele atirou em três pessoas e fez sua namorada de escudo, enquanto negociava com a polícia. As vítimas dos tiros foram um enfermeiro, uma psicóloga e um oficial de justiça que tentava cumprir uma ordem de interdição.

O episódio reacendeu as discussões sobre os constantes riscos no cotidiano dos funcionários dos tribunais. A situação se evidencia em nota oficial emitida pela Associação dos Oficiais de Justiça do Estado de São Paulo (Aojesp), que afirmou ter alertado as autoridades paulistas sobre as “precárias” condições de trabalho. “O servidor precisa ir à casa de bandidos e pessoas perigosas sem nenhuma segurança”.

Lado mais sensível do sistema judiciário – por serem eles os portadores diretos das decisões dos magistrados aos indiciados –, os oficiais relatam ameaças e atos de violência contra eles.

Portador da má notícia

“Geralmente, a nossa visita é desagradável. Somos portadores de más notícias”, resume Mário Soares, oficial de justiça da Comarca de Santos. “Todos temos histórias desagradáveis para contar”.

A falta de segurança para exercer o trabalho, por causa da escalada da violência, não é de hoje. Em dezembro de 2010, A Tribuna noticiou depoimentos sigilosos que mostravam o pânico vivido pelos oficiais.

Quase dois anos depois, o quadro é semelhante. “Não é novidade que, em determinadas áreas ocupadas pelo tráfico de drogas, entrar é tarefa quase impossível”, diz Ricardo (nome fictício). O insistente pedido para manter sigilo sobre sua identificação demonstra os perigos vividos. “Já fui recebido com armas na cabeça e impedido de entrar em muitas favelas”, completa.

Entretanto, os riscos não se concentram apenas em locais periféricos. Na avaliação dos servidores, a situação se agravou na última década com a disseminação da violência em bairros considerados de classes média e alta. “Não há mais áreas perigosas ou seguras. O temor é presente em qualquer ponto da Baixada Santista”.

Afastamento

Esses e outros problemas, como a sobrecarga de trabalho, têm contribuído para “o crescente volume” de afastamento dos servidores, conforme assegura o presidente da Associação de Base dos Trabalhadores do Judiciário do Estado de São Paulo (Assojubs), Alexandre dos Santos.

Por isso, a entidade realiza um levantamento para averiguar quais os motivos das baixas. Outra ação foi criar um núcleo para debater ações de segurança para os oficiais. “É um tema polêmico. Em diversas reuniões, não conseguimos entrar em acordo”, diz Rosângela Santos, oficial de justiça afastada.

Apesar de o assessor da presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo Capez, afirmar que “o oficial pode requisitar proteção policial” em casos específicos, a iniciativa é repudiada pela categoria.

“Além de ficarmos mais visados, também pomos em risco outros trabalhadores”, diz o oficial Mário Soares.

Interdição

Antes de ser baleado no tórax, o oficial de justiça tentou cumprir uma ordem de interdição. Segundo a Constituição Federal, interdito é qualquer adulto que não tem condições de administrar seus bens e gerir sua própria vida.

Casos clínicos ou biológicos podem estimular o juiz a conceder a sentença. Também podem ser enquadrados portadores de deficiências, psicológicas ou físicas, e pessoas que liquidam seu patrimônio a ponto de ficar sem o necessário para o sustento.

Os menores necessitam de um tutor na ausência dos pais. O pedido de interdição é feito por familiares, que ingressam na Justiça com ação denominada de Interdição de Pessoa. Audiências são designadas para que o juiz possa tomar ciência do processo em curso.

Após essa etapa, é pedido um exame que mostre se a pessoa é ou não totalmente incapaz de reger sua vida. Comprovado o quadro, o magistrado decreta a sentença, na qual se aponta quem será o curador – ou seja, o responsável pela pessoa interditada.

Fonte: A Tribuna

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